JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
O reconhecimento de Jerusalém como capital de Israel por parte dos Estados Unidos é algo tão estúpido que só se justifica por alguma jogada inteligente por trás. Não tenho nenhuma informação a respeito, exceto dedução. Mas há questões históricas da diplomaria norte-americana que nos sugerem o recurso a iniciativas truculentas para abrir caminho a uma saída de situações embaraçosas, sem perspectiva de vitória, e tendentes a perpetuação.
Recorde-se o fim da guerra do Vietnã. Os EUA, a maior potência da terra, estavam perdendo. Uma imensa oposição interna, sobretudo de estudantes, somava-se aos exércitos do Vietnã do Norte e aos vietcongues do sul numa luta renhida, com grande suporte soviético e chinês. Era uma situação tão desfavorável aos norte-americanos, combatendo longe de casa, que não havia perspectiva real de vitória. Mas para honra do país, não poderia haver rendição.
Quem costurou a saída impossível foi Henry Kissinger, chefe da Assessoria de Segurança Nacional e depois do Departamento de Estado. O acerto foi feito em Paris. Havia, porém, uma situação complicada: como a maior potência da terra poderia sair derrotada de uma guerra? A solução foi relativamente simples: fazendo um bombardeio aéreo de saturação contra o Vietnã do Norte, como prova de força, e logo caindo fora!
Lembre-se que, entre os grandes geopolíticos dos EUA, Kissinger foi o principal interlocutor de Donald Trump pouco antes da eleição. Foram cerca de duas horas de conversa. Sabe-se dela que Kissinger teria considerado inaceitável pelos EUA a incorporação da Criméia pela Rússia. Mas e os outros temas que provavelmente estiveram em pauta? Esse por certo foi um meio de despistar a imprensa e a opinião pública, enquanto outros eram tratados.
A questão Israel-Palestina é a questão mais relevante na política ocidental e no Oriente Médio. Trump pode ter suas simpatias por Israel, mas se colocou abertamente, desde a eleição, a favor da solução dos dois Estados. Israel resiste, mas um gesto amistoso para com Israel – o reconhecimento de Jerusalém como sua capital – não contraria de forma definitiva a sensibilidade dos árabes se o passo seguinte for o reconhecimento do Estado palestino.
Se a jogada for essa, estamos diante de uma iniciativa geopolítica de gênio de Trump. Claro, o processo a seguir é o reconhecimento do Estado judeu pelos palestinos, abrindo caminho para um amplo acordo de paz. Sem esse último, Israel não aceitaria um Estado palestino. E o coroamento do processo seria institucionalizar Jerusalém Ocidental e Oriental como capitais de Israel e da Palestina, numa atmosfera pacífica.
É possível que alguém aparentemente tão bronco como Trump poderá empreender uma proposta dessa natureza, garantida pelo poder americano? Acredito que sim. Como grande empresário, Trump é mais de paz e de negócios do que de guerra. Sobretudo se for comparado a Hillary Clinton, a grande líder de destruição de governos na chamada Primavera Árabe e do assassinato de Muamar Kadafi, passo importante para a destruição da Líbia.
Nesse aspecto, o reconhecimento de Jerusalém como capital, na verdade um fato consumado, poderia quebrar a maldição que recai sobre a Palestina desde 1948, quando os judeus tomaram conta da região pela força e expandiu sua posse em guerras seguintes. Posso estar enganado, mas o espírito de Kissinger talvez vigie por trás dessa medida aparentemente de força mas que abre de forma definitiva o caminho para a paz.