LUIZ ANTONIO SIMAS -
Corte Chamarrera. |
A pedidos - e diante de algumas cobranças mais enfáticas nas redes - falarei da Venezuela com certa segurança.
O culto das "cortes espirituais" da Venezuela é uma das linhas mais interessantes das macumbas e encantarias americanas. Grosso modo, a crença nas cortes é um culto aos ancestrais que divide os espíritos em vinte e uma linhas, lideradas por uma trindade formada por María Lionza, o Negro Felipe e o indio Guacaipuro.
Temos, dentre outras, as cortes de índios, africanos, chineses, médicos, jovens, vikings (formada por espíritos de navegadores escandinavos que por aqui se encantaram em tempos imemoriais), libertadores da América, etc.
A corte chamarrera, a que particularmente mais me interessa, é aquela formada por espíritos que conhecem os segredos das folhas e das mandingas diversas. É liderada por Don Nicanor Ochoa Pinto, o "viejo amado" e é ligada aos Juanes: a corte de "juanes encantados", curandeiros dos males, como don Juan de los cuatro caminos, don Juan del tabaco, don Juan de los cuatro vientos, don Juan de los suspiros, don Juan de la calle, don Juan del amor, don Juan de las aguas, don Juan del dinero, don Juan del progreso, don Juan de la fuerza,don Juan del pensamiento, don Juan del chaparro etc.
Outra corte instigante é a dos malandros, protegida por Eleguá. La Corte Malandra, como os venezuelanos a denominam, é recente e urbana (algumas cortes são formadas por espíritos que viveram no período colonial). Nela se destacam, dentre outros, os malandros Ismael Sanchez, El Ratón, Isabelita (a moça das esquinas), Luisito, Luis Sanches, El Malandro Petróleo Crudo, La Malandra Elizabeth, Pedro Hilário, Tomasito e El Pavo Freddy.
Estudando estes babados, encontrei uma reportagem sobre o culto aos malandros em que um sacerdote descreve da seguinte forma o malandro Ismael:
Ismael es una figura generalmente representada como un hombre con pantalón azul, camisa roja de botones, una pistola adosada al cinturón, lentes de sol y una gorra puesta de medio lado. Las manos, como en la canción Pedro Navaja de Rubén Blades, están siempre en los bolsillos. Un pequeño agujero en la comisura de la imagen de yeso o madera, sugiere que allí, justo allí, debe calzarse un cigarrillo.
Há ainda vasto cancioneiro da malandragem espiritual venezuelana que se cruza de forma fascinante com o cancioneiro da malandragem (dos sambas e dos pontos de macumba) brasileira.
Ando estudando isso porque faço há tempos um mapeamento das culturas de tambor nas américas. Temos uma visão da malandragem muito marcada pela ideia do "malandro carioca" do pós-abolição. A corte malandra venezuelana redimensiona essa ideia e amplia bastante a dimensão do malandreamento espiritual como fenômeno diaspórico e contemporâneo.
Fica a dica para um mergulho fascinante: Zé Pelintra e Ismael, Isabelita e Dona Maria Molambo, batem uma bola bonita.
É isso. (via facebook)