26.8.17

A LEGALIZAÇÃO DA MACONHA NO JACAREZINHO

ANDRÉ BARROS -


Há pouco tempo, vi nas redes sociais um pequeno cartaz divulgando vaga para olheiro das bocas de fumo do Jacarezinho. Oferecia-se almoço, jantar e R$ 50,00 (cinquenta reais) por dia. Já tínhamos acompanhado, pela Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, casos semelhantes em outras favelas cariocas, em que olheiros e soldados do tráfico armado de drogas recebiam 300 reais por semana. Assim, podemos concluir que são na realidade escravos do tráfico armado de drogas.

A polícia vem realizando incursões violentíssimas no Jacarezinho nas duas últimas semanas com muitas mortes. A justificativa é a de sempre: o combate ao tráfico de drogas. Dentre as drogas ilegais, a maconha é a mais vendida na comunidade, em grandes feiras ao ar livre. Sem praticamente qualquer custo, para produzir maconha, são necessários somente terra, semente, água e sol. Então, por que a maconha é tão cara?

Pelo seu baixíssimo custo, trata-se de um mercado excessivamente lucrativo, por conta do monopólio da ilegalidade, da grande procura e do alto preço. Se os escravos do tráfico armado são mal remunerados e a falta de saneamento básico é gritante, podemos concluir que o lucro de milhões descem os morros e favelas, ficando muito pouco para os varejistas. Para onde vão então esses milhões que viram bilhões? Só podem servir para sustentar todo um sistema penal corrupto, que vai da polícia aos tribunais.

O lucro com a venda ilegal de maconha vai também para o mercado de compra e venda de fuzis, metralhadoras e munições. O tráfico é armado para que o lucro e as drogas não sejam tomados por grupos rivais e pela própria polícia. Enquanto isso, o Estado arma a polícia sob a justificativa de combater a criminalidade e o tráfico de drogas. A maior tragédia é que interessa ao mercado de venda de drogas e munições mais mortes e tiros para vender mais armas e munições. Nessa farsa, para combater os varejistas de drogas, comandantes da polícia mandam para o front policiais igualmente jovens, negros e pobres.

Só a polícia é criticada, mas ela é a ponta de um sistema histórico penal racista e corrupto, que só prende, condena e mata negros e pobres. Esse sistema transformou polícia em militar. Como esclarece e estabelece o artigo 144, § 6º, da Constituição Federal, a polícia militar é uma força auxiliar do exército nos Estados: “§ 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios.”

Nesse sistema constitucional que treina militares, e não policiais, para quê militares são treinados? Obviamente, são treinados para a guerra. Tanto que tem tribunais próprios para julgar seus crimes: as Auditorias da Justiça Militar. Assim, o mesmo artigo 144, no § 4º, esclarece que a apuração de infrações penais é incumbência da polícia civil, exceto quando os autores são militares: “§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.”

Imaginem se a maconha fosse descriminalizada e legalizada, como seria bom para a comunidade do Jacarezinho e para todas as favelas do Rio de Janeiro! Inicialmente, com a redução do preço, os financiadores do tráfico perderiam poder. Essa mudança poderia facilitar a gradativa substituição por bocas de fumo sem armas e legalizadas em formas de cooperativa, de modo que finalmente o lucro ficasse para a própria comunidade e fosse melhor distribuído, podendo, inclusive, ser aplicado no saneamento básico. O Estado deixaria de jogar bilhões fora nessa guerra racista. A legalização da maconha interessa diretamente à segurança pública do Jacarezinho e do Rio de Janeiro!