JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Se por alguma razão os clientes reduzirem a quantidade comprada de pão, só um padeiro louco vai ampliar os investimentos na padaria para produzir mais pão. Também não aumentará o número de empregados. Digamos que a quadrilha de Temer faça discursos bonitos no sentido de obter a confiança dos padeiros a fim de que produzam mais pão e empreguem mais gente. Naturalmente a comunidade dos padeiros, atingida simultaneamente pela queda do consumo, de forma alguma poderá evitar a contração de produção e emprego.
A queda eventual do consumo é um fenômeno cíclico do capitalismo. Há muitas explicações para isso, desde as materiais – um descompasso entre produção de máquinas e produção de bens de consumo – às financeiras: ultimamente as mais comuns, dada a financeirização geral da economia mundial. Em qualquer hipótese, a queda do consumo é um processo inexorável. E contra ele só há um remédio: o gasto público chamado autônomo. Sim, autônomo. Significa que não é financiado por receita de impostos, mas por déficit público.
Voltemos à padaria. Imagine que se pretenda aumentar o consumo de pão com financiamento provindo de aumento de impostos. Não é uma boa idéia. O dinheiro retirado da sociedade via impostos reduz o consumo global na mesma proporção em que se aumenta o consumo de pão. Uma coisa compensa a outra. Em outras palavras, na medida em que a produção de pão aumenta a produção de outros bens diminui. E o emprego gerado na padaria será anulado pela perda de emprego nos outros setores.
Pode-se forçar o aumento da produção de pão oferecendo aos padeiros uma taxa de juros muito baixa para financiar seus investimentos. Na verdade, na área do euro a taxa de juros ficou desde 2008 na faixa do zero por cento. Entretanto, a economia não se reanimou. Claro, o que motiva o padeiro a aumentar o investimento e o emprego é a perspectiva do aumento do consumo, não o custo do financiamento da produção, já que ninguém é tão idiota ao ponto de produzir exclusivamente para as prateleiras.
Então, o que fazer? É simples, e sabe-se disso há mais de setenta anos. Chama-se de política keynesiana, aperfeiçoada pelo genial economista russo Abba Lerner, em sua “Finanças Funcionais”. Na relação financeira com a sociedade, o déficit público é essencial para retirar uma economia da recessão, pois o governo, com seus gastos deficitários em bens e serviços, dá à sociedade mais do que retira dela. O superávit (inclusive primário) tem o efeito oposto, pois o governo retira da sociedade mais do que lhe fornece em troca.
O exercício é um pouco mais complexo do que isso, mas o importante a considerar, sempre voltando ao padeiro, é que o gasto público deficitário para comprar pão favorece diretamente a produção e o emprego. E na medida em que produção e emprego crescem, expande-se toda a economia num círculo virtuoso. Com a economia crescendo, a receita pública acompanha e, progressivamente, a necessidade de déficit vai sendo reduzida sem risco de inflação. Em último caso, a própria dívida pública tenderá a cair.
Como entender o processo econômico na base de uma analogia com a padaria? Se prestarem atenção ao que Henrique Meirelles diz, o centro de sua proposta é zerar o déficit público. A emenda constitucional do congelamento por 20 anos dos gastos públicos, aprovada de forma estúpida pelo Congresso, visa justamente equilibrar o orçamento federal, e induzir os Estados a fazerem a mesma coisa (renegociação da dívida). Supostamente, o orçamento equilibrado levaria os empresários a recobrar a confiança no governo e a começar a investir.
Como seria possível essa operação sem uma ação decidida sobre o consumo? De fato, a influência do orçamento público sobre a economia privada seria neutra. Nós continuaríamos mergulhados em depressão, como estamos nesses últimos três anos. O fato é que como economista Meirelles não tem a clareza de um padeiro. Sua obsessão em ampliar o déficit financeiro público – não o déficit virtuoso feito na compra de bens e serviços reais – não tem nada a ver com retomada da economia. Tem a ver como um atalho para a privatização.