15.6.17

MODESTO DA SILVEIRA É IMORTALIZADO NA OAB/RJ

DANIEL MAZOLA -

As filhas e a irmã do homenageado Helena Modesto / Fotos: Iluska Lopes.
O jurista, militante comunista e "salva-vidas" Modesto da Silveira, perseguido por sua atuação corajosa nos anos de chumbo e sequestrado por agentes do DOI-CODI, merece todas as homenagens do mundo. Falecido ano passado aos 89 anos, Modesto é um espelho para todos que lutam e lutaram por justiça, foi um verdadeiro Professor em minha trajetória como militante de Direitos Humanos e jornalista. A homenagem prestada pela OAB/RJ na última terça-feira foi justíssima e emocionante, imortalizou o humanista Modesto da Silveira. Oficialmente, o antigo Salão Nobre da Seccional chama-se agora: Plenário Antônio Modesto da Silveira.

Luciano Bandeira, Aderson Bussinger, Felipe Santa Cruz, Helena Modesto e Paula Vergueiro
Tive a honra e o privilégio de atuar ao lado do incansável militante em algumas batalhas, já nos últimos anos de sua fraternal e produtiva vida. Em janeiro de 2013, quando ocupei a secretaria da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Impresa (ABI) foi uma delas.

Naquele verão de 2013 das manifestações e Jornadas de Junho, fui por duas vezes de metrô - da Cinelândia a Central do Brasil com o incansável Modesto - até a Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro acompanhar um grupo de quatro lideranças indígenas, para negociar uma alternativa em relação à demolição do antigo prédio do Museu do Índio no Complexo do Maracanã, e a realocação dos habitantes atingidos, que flutuavam entre 50 e 100 indígenas de 17 etnias. Como todos sabem infelizmente não houve acordo (confira aqui).

Segue abaixo matéria produzida pela redação da TRIBUNA DO ADVOGADO e publicada no site da OAB/RJ. Modesto, Presente!

Casa lotada para aplaudir Modesto
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Plenário Antônio Modesto da Silveira é inaugurado na OAB/RJ

O antigo Salão Nobre da Seccional chama-se agora, oficialmente, Plenário Antônio Modesto da Silveira, em homenagem ao jurista que faleceu em novembro de 2016, aos 89 anos. A solenidade de reinauguração do espaço aconteceu na tarde desta terça-feira, dia 13, com a presença de familiares, amigos, companheiros de luta e de advocacia e admiradores de Modesto, considerado o advogado que mais defendeu os perseguidos pela ditadura militar que perdurou de 1964 a 1985.

O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, ressaltou o fato de que o prédio da Ordem está permanentemente vivo e cheio de ideais. “Tivemos aqui recentemente a Conferência Estadual da Mulher Advogada, e uma semana após um Congresso Nacional em defesa do Estatuto da Criança e do Adolescente, que ganham importância especialmente nesse momento de discursos de retirada de direitos. Ainda no final do mês passado tivemos o encontro de prerrogativas também nesse auditório, e em todos o espaço esteve lotado. Esse salão não é apenas cadeiras, teto e som, ele é uma casa da cidadania. Acho que nenhum nome poderia ser mais apropriado. Mais do que o histórico político de Modesto, estamos celebrando o grande ser humano que ele foi”, destacou.

Crédito: Tribuna da Imprensa Sindical
O tesoureiro e presidente da Comissão de Prerrogativas da Ordem, Luciano Bandeira, lembrou que Modesto era um grande advogado, mas também um militante. “Pela minha idade, o conheci já na continuidade da luta após a ditadura. Ele tinha um projeto de memória daqueles anos, para defender valores que todos consideramos fundamentais, até o último momento ele estava envolvido em novas ideias. Modesto foi e sempre será um advogado, um humanista, um defensor da liberdade e um militante comunista”, resumiu.

O diretor do Centro de Documentação e Pesquisa (CDP) da entidade, Aderson Bussinger, agradeceu a todos os que ajudaram na realização da ideia, que teve apoio imediato de Felipe e toda a diretoria, além do trabalho dos funcionários dos departamentos de Eventos e do CDP, e sublinhou alguns detalhes curiosos da homenagem. “Homenageamos Antonio nesse dia de Santo Antonio. Esse auditório tem algumas características de Modesto. Fica no mais elevado andar, altivo como ele foi em toda a sua trajetória, como altivo enfrentava os torturadores e a ditadura. É panorâmico, com vista ampla para toda a realidade do Rio, ampla como sempre foi a visão de Modesto. Amplo, como ele, que gostava de muita gente reunida, e considerava a unidade da esquerda algo fundamental para a luta”, comparou.

A diretora do Departamento de Eventos, Paula Vergueiro, relembrou que a ideia surgiu no próprio salão, quando “centenas de pessoas se reuniram para se despedir do grande advogado das causas sociais e humanitárias” e que defendeu o maior número de desaparecidos políticos durante ditadura. “Não tenho dúvidas que o Dr. Modesto adoraria saber que as primeiras vozes ouvidas nesse sentido vieram de funcionários da casa, trabalhadores que diariamente fazem o seu melhor para que essa Seccional da OAB concretize as suas mais nobres e valorosas missões institucionais. Desse passo até a aprovação por aclamação no nosso conselho pleno, dias depois, a diretoria, principalmente o presidente Felipe Santa Cruz, ofereceu apoio incondicional ao projeto”, agradeceu. Vergueiro fez uma menção especial aos funcionários Maria Antonia, do CDP; Altair Nascimento do Departamento de Serviços Gerais (DSG), e à equipe do Departamento de Eventos.

O presidente da Caarj, Marcello Oliveira, ressaltou a atuação de Modesto na redemocratização brasileira. “Modesto sempre ensinou às novas gerações como proceder como advogados. Incansável é um adjetivo muito adequado à profissão, e era a Modesto. Ele fala muito, e falava bem, de uma forma inspiradora. Conseguia contagiar o público, especialmente os mais jovens. A cada vez que essa entidade se propõe a homenagear uma figura como Modesto, ela cresce, faz com que as novas gerações reflitam sobre quem foram esses grandes advogados”, disse.

O secretário-geral, Marcus Vinicius Cordeiro, relatou a importância de Modesto para sua família. “Naquela noite escura da ditadura, ele era a certeza da aurora. Essa ideia de que isso era ser advogado nos contagiou, era esse herói que nos inspirava. Toda homenagem sempre será pouca, mas esta é uma grande iniciativa. Se estivesse presente, Modesto seria um grande e valente lutador contra tudo isso que estamos vendo no país”, acrescentou.

Em seguida, foi inaugurado o painel que agora ocupa o hall de entrada do 9º andar. Na parede ao fundo há um grande mosaico que forma a imagem do rosto de Modesto, composto por diversas pequenas fotografias. Ao lado, um texto assinado pelo presidente da Seccional, Felipe Santa Cruz, começa com uma citação da irmã do homenageado, Maria Helena Modesto Vieira, revelando aspectos de sua infância. Há também totens que compõe um painel sobre fatos marcantes da advocacia, com recortes da Tribuna do Advogado e outros materiais da entidade.

A noite foi encerrada com uma mesa de conversa sobre a trajetória de Modesto, que teve início com sua irmã Maria Helena Modesto Vieira – que também participou da mesa de abertura da solenidade –, e contou também com nomes da advocacia como Rosa Cardoso da Cunha, Ana Lúcia Santa Cruz, Ricardo Pereira Lira, Humberto Jansen Machado e Carlos Roberto Siqueira Castro.

Crédito: Tribuna da Imprensa Sindical
Maria Helena lembrou que estavam presentes as filhas, netos, e o sobrinho, seu filho, “que era quase um filho pela estima que tinha” pelo advogado. Contou a trajetória difícil da família, em Ponte Alta, no Triângulo Mineiro, relatando que Modesto tinha dois anos quando o pai “foi embora, levando os recursos que nossa mãe recebera de herança, deixando-a à míngua, grávida e com três filhos pequenos, sem casa e sem comida”. E revelou uma passagem que, entre tantas, pode ter formado aos poucos o caráter do futuro militante comunista. Aos oito anos, vendo a mãe trabalhar todos os dias da semana lavando roupas, sem descanso, e sempre com dificuldades financeiras, pois o dinheiro não dava nem para comprar todos os alimentos, o menino Zito, como era chamado, teve uma lição sobre a injustiça social – e sobre como enfrentá-la. “Ele perguntou à nossa mãe porque algumas pessoas tinham tanto dinheiro que não precisavam trabalhar, e pagavam tão pouco a ela que trabalhava tanto. Ela respondeu que o mundo é mesmo desigual, e que nós é que precisamos lutar contra as desigualdades, e para isso precisamos trabalhar e estudar. Ela enfatizava que não é o trabalho que humilha, mas sim sua desvalorização e a falta de respeito com o trabalhador”, rememorou ela, ressaltando ainda que desde pequeno Modesto demonstrou firmeza na intenção de estudar, embora a família ouvisse que “pobre tem que trabalhar”.

Uma “inclinação intuitiva” pelo Direito teria surgido desde então, a partir da certeza da luta contra as desigualdades sociais. Assim cresceram juntos, o menino Zito e o advogado e militante comunista Modesto.