15.6.17

DELEGACIA RACISTA

ANDRÉ BARROS -


Pais e Mães de Santo, políticos, ativistas do movimento negro e apoiadores da causa lançaram a campanha Libertem nosso Sagrado. Roupas de Santo, objetos sagrados, instrumentos musicais de matriz africana estavam expostos na sede da Polícia Civil do Rio de Janeiro, onde ficava a antiga Repartição Central de Polícia. Cerca de 200 peças, apreendidas pela extinta Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificações, delegacia criada em 1890, foram guardadas numa coleção denominada “Magia Negra”. A luta do movimento é para que este histórico acervo seja transferido para outro lugar como forma de reparação.

Para falar da história dessa delegacia racista, é importante contextualizá-la historicamente: observem que a escravidão foi abolida em 1888, a República foi proclamada em 1889 e a sua Constituição entrou em vigor dois anos depois, em 1891. Neste interregno, em 1890, um ano antes de ser promulgada a Constituição, a República tratou de instaurar dois instrumentos de controle e criminalização dos negros: o Código Penal e a “Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificações”, que era, na realidade, uma delegacia.

Primeiro, é importante observar que a repartição racista foi criada para reprimir os cultos de origem africana, chamados de “baixo espiritismo” e o uso da maconha. De fato, o cerne do combate às substâncias proibidas no Brasil reside na criminalização da maconha. Existiam outras substâncias ditas tóxicas, mas a repressão era contra a maconha, principalmente a forma como era usada pelos negros, através do “Pito do Pango”. Tanto que a primeira lei do mundo que criminaliza a maconha é da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, de 1830, e estabelecia no § 7º da Lei de Posturas Municipais três dias de cadeia para os escravos que consumissem o Pito do Pango, denominação da maconha e da forma como era consumida. Descrevendo a conduta de fumar maconha naqueles pequenos cachimbos, várias dessas peças podem estar nesse acervo aprisionado pela polícia civil e ainda com vestígios da erva.

“É proibida a venda e o uso do pito do pango, bem como a conservação dele em casas públicas. Os contraventores serão multados, a saber: o vendedor em 20$000, e os escravos e mais pessoas, que dele usarem, em três dias de cadeia. (Mott in Henman e Pessoa Jr., 1986).”

Para verificar que a repressão era praticamente apenas contra a maconha, basta ler documentos policiais e jornais do início do século XX, onde os presos são negros e normalmente chamados de “fumadores de maconha”.

O Código Criminal do Império de 1830 criminalizava qualquer culto que não fosse o da Igreja Católica Apostólica Romana, a religião do Estado. Décadas depois, o Código Penal da República de 1890 protegia todas as religiões, mas o Candomblé não era tratado como religião, sendo considerado magia, espiritismo, curandeirismo ou charlatanismo, e assim, criminalizado. Em relação à maconha, só existia a Lei do Pito do Pango de 1830.

Portanto, sem existirem propriamente leis penais sobre tóxico e religião, havia dentro da polícia uma Seção de Entorpecentes Tóxicos e Mistificações, delegacia criada para criminalizar os negros depois da abolição da escravidão e antes mesmo da Constituição da República. A maconha era usada no Candomblé. Essa seção tinha a finalidade de combater tóxicos e mistificações em seu conjunto ou separadamente? Essas peças históricas e seus documentos podem esclarecer como essas prisões e apreensões ocorriam e, se havia instrumentos legais, quais eram aplicados!

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