13.1.17

O EFEITO DA DÍVIDA NO SISTEMA PRISIONAL DA REGIÃO NORTE

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


Durante três décadas o Governo Federal impôs aos Estados uma dívida que nunca existiu. Como a essa dívida não correspondia nenhum imposto específico, o orçamento global dos Estados teve de ser acomodado ao longo dos anos para que a União recebesse os pagamentos correspondentes. O resultado foi um achatamento progressivo dos recursos estaduais livres numa trajetória descendente que seria agravada com a depressão econômica nos anos de 2015 e 2016, ameaçando repetir-se em 2017.

A dívida imposta pela União aos Estados e a queda das receitas estaduais estão entrelaçadas no mesmo movimento. Uma dívida que nasce do nada é como um imposto líquido sem contrapartida de produção. Seu efeito macroeconômico é contracionista. É fácil verificar isso. Quando se retira da sociedade recursos líquidos, portanto sem contrapartida de gastos equivalentes, haverá menos dinheiro em circulação na economia. O resultado é uma contração do sistema produtivo, recessão ou depressão.

Pode-se alegar que o dinheiro retirado dos Estados, indo para o Governo Federal, eventualmente retorna à economia nacional sob forma de investimentos e despesas públicas. Acontece que isso não ocorre. O dinheiro líquido pago pelos Estados vai para uma conta chamada superávit primário que é esterilizada na fornalha financeira improdutiva. Assim, a dívida dos Estados é duplamente perniciosa para as economias estaduais. Tira capacidade de pagamento deles e ao mesmo tempo promove uma contração global.

As consequências desse processo perverso não são visíveis a olho nu no curto prazo. É um fenômeno de médio e longo prazo. No curso prazo os governadores apenas notam que os orçamentos disponíveis estão encolhendo ano a ano. Pensam que é culpa de seu sistema tributário. Na prática, são obrigados a reduzir investimentos e cortar serviços públicos. Com esse objetivo reduzem os gastos com saúde, com educação, com segurança pública e... com presídios. É dessa forma que a crise nos presídios se liga à extorsão da dívida.

A matança de presidiários no norte do país suscitou o aparecimento de vários abutres que estão se cevando da carne daqueles que foram selvagemente mortos. Ministério Público e Justiça disputam entre si quem dá mais ordens desbaratadas, ora mandando presidiários para a maior segurança de um presídio, ora mandando trazê-los de volta também por conta de segurança, numa dança grotesca que simplesmente mascara o fato de que, depois de décadas de descaso, não há como resolver o problema presidiário em dias.

A crise penitenciária brasileira é função direta da crise financeira dos Estados. A crise financeira dos Estados é função direta da dívida impagável e nula que lhes foi imposta pelo Governo Fernando Henrique, e mantida nos governos seguintes, até o atual. A imposição da dívida foi uma exigência do FMI e do Banco Mundial para dar suporte à reestruturação financeira neoliberal dos Estados. A imposição do FMI e do Banco Mundial decorreu do programa de promoção do Estado mínimo dentro do grande projeto de globalização.

Quem não quiser ou não souber fazer essas relações não passa de objeto de manipulação da grande mídia, cúmplice do projeto neoliberal. É espantoso que, diante de uma brutalidade inominável como a que aconteceu e pode continuar acontecendo nos presídios, a figura patética de Henrique Meirelles pretende impor ainda maiores restrições financeiras aos governos estaduais, já estrangulados em seus orçamentos. O momento era de união nacional para atacar um problema terrível. O que de fato acontece é um teatro mambembe.

Veja esse ministro da Justiça: no meio do incêndio anuncia um plano de longo prazo para reduzir os homicídios de mulheres. Cá pra nós. É uma perda de proporções. O que esse plano tem a ver com a crise imediata? Ah, sim, está enviando a Força Nacional para as regiões críticas. Lamento pela Guarda Nacional. Não foi feita para isso. Acabará tendo que optar entre matar ou morrer, acrescentando mais um elemento caótico numa situação conflagrada. A sociedade tem que pensar numa saída. Nós pensamos. Começa pelo reconhecimento da nulidade da dívida dos Estados, o que poderá lhes dar condições financeiras para construir e humanizar presídios.