LUIZ ANTONIO SIMAS -
Observando as fotos do réveillon da moçada, constato que, para a minha tristeza, a sacanagem é mesmo coisa do passado. Ninguém comeu sacanagem no réveillon! Pensei exatamente sobre isso na hora da virada de ontem. Mentalizei, na hora exata do ano novo, uma travessa de sacanagens envolvidas em papel laminado, com cerveja estupidamente gelada, como a imagem que condensa o que desejo para 2017.
Na minha infância era rigorosamente inconcebível qualquer comemoração sem as sacanagens para abrir os trabalhos, com algumas pequenas variações de receitas. Em todo lar carioca rolava uma sacanagenzinha. A de lá de casa levava salsicha, azeitona, queijo prato com orégano e pimentão ou cenoura. Sem cereja, por favor.
Nostálgico de uma boa sacanagem, me ocorre o seguinte. No maravilhoso mundo gourmet, ir ao bar virou "butecar" e agora temos "lascas", "reduções", "camas de rúcula", "confit", "toques cítricos" e outros salamaleques semânticos, que os velhos frequentadores de biroscas jamais saberão do que se trata.
Neste mundo, enfim, em que tem gente chamando torresmo com limão de "lasca crocante de pele de porco perfumada em lágrimas de cítrico frutado" para cobrar uma baba pela porção, há espaço para um acepipe chamado sacanagem? Quando ouço alguém falar em releitura de comida, tenho vontade de sacar a zarabatana e distribuir dardos com curare. Se um maluco desses resolve fazer uma releitura da sacanagem, pensando numa harmonização com cervejas artesanais e os cacetes, como é que a nossa boa e velha sacanagem seria descrita?
Tremo só de pensar.
A trajetória da sacanagem, sua glória e seu declínio, diz muito sobre o nosso mundo.