LUIZ ANTONIO SIMAS -
Para variar, estava demorando, começam a aparecer nas redes sociais umas turmas defendendo que carnaval em tempos de crise é um absurdo e só no Brasil dos vagabundos é que as pessoas tiram uns dias do ano para não trabalhar e só se divertir. Desde que me conheço por gente esse discurso vigora.
Conforme escrevi neste próprio espaço, a turma do contra não pensa nos vendedores ambulantes, operadores de carro de som, nos milhares de funcionários dos barracões de escolas de samba, músicos, cantoras e cantores, garis, motoristas de ônibus e condutores de trens e metrôs, nas garçonetes e garçons que aturam os bebuns da folia, nos entregadores de jornal, nos jornalistas que ralam nas redações e nas ruas, nas funcionárias e funcionários de hotéis, nas costureiras que fazem as fantasias, e em muita gente que rala em outras dezenas de atividades que envolvem os dias de folia. Rala para comer e rala para se divertir e festejar.
A festa em tempos de crise é mais necessária que nunca. A gente não brinca, canso de repetir isso, e festeja porque a vida é mole; a turma faz isso porque a vida é dura. Sem o repouso nas alegrias ninguém segura o rojão.
Tento não dar a mínima para quem acha que não devemos ter carnaval e, ao mesmo tempo, sou bastante crítico aos discursos que, em oposição, justificam o carnaval exclusivamente pelo argumento de que a festa é lucrativa e vai gerar bilhões para a cidade. É ótimo que isso aconteça e que o dinheiro entre, mas vou botar água nesse chope: desde quando carnaval existe apenas para dar lucro? Desde quando isso é critério para que tenhamos carnaval?
Do ponto de vista pessoal, encaro a rua no carnaval como um espaço para o esquecimento necessário. Por isso mesmo acho que a tarefa carnavalesca dos próximos anos é das mais difíceis. É na rua que os amantes das festas e das libações do carnaval andam tendo que driblar, feito um Garrincha à sorrelfa, as multidões coreografadas, os materiais de propaganda de empresas que acham que o carnaval é apenas um momento da cultura do evento, as celebridades duvidosas que usam a festa como forma de promoção, os compradores de abadás que serão usados em futuras sessões de musculação e coisas do gênero.
Vez por outra, há que se encarar, ainda, algum agente da ordem disposto a exigir autorização por escrito para que um sujeito sozinho possa cantar uma marchinha e bater bumbo na esquina. Mas o folião, como a madeira que cupim não rói do pernambucano Capiba, dá nó em pingo d´água e sobrevive para soltar a voz.
Entre os dois discursos normativos (o de que o carnaval é coisa de vagabundo e tem que acabar e o de que o carnaval dá lucro e é por isso que tem que continuar), prefiro ficar ainda com a percepção de que a festa é apaixonante porque, dentre outras coisas, guarda sentidos bem mais profundos; aqueles que se situam no campo imensurável da cultura como experiência de invenção constante, precária e sublime, da vida.
*Publicado no site Rádio Arquibancada