REDAÇÃO -
O texto que segue é do jornalista Kiko Nogueira, via DCM:
Temer finalmente se manifestou sobre o massacre em Manaus — e, como era de se esperar, alternou platitudes com bobagens e terceirização de responsabilidades.
Na abertura de uma cúpula sobre segurança pública, fez um curto discurso.
“Eu quero me solidarizar com as famílias que tiveram seus presos vitimados naquele acidente pavoroso que ocorreu no presídio de Manaus. Nossa solidariedade é governamental e tenho certeza que é apadrinhada por todos aqueles nesta reunião”, disse.
“Em Manaus, o presídio era terceirizado e privatizado e, portanto, não houve uma responsabilidade objetiva, clara e definida dos agentes estatais. Mas não basta ficarmos apenas em diagnósticos do que aconteceu ou não aconteceu. É preciso agir e executar”.
A culpa, portanto, é do Amazonas e da empresa que controlava a penitenciária. Os pais, mães, irmãos e filhos dos degolados estão aliviados.
O silêncio de Michel se devia, segundo a imprensa, a uma estratégia de tentar afastar a crise do Planalto, como se isso fosse possível. Uma comentarista da GloboNews explicava essa ideia na quarta, dia 4, com a maior naturalidade, traduzindo um plano genial.
Ou seja, o presidente e a turma que o cerca acharam normal que um assunto que é notícia no mundo inteiro, que virou tema de homilia do papa Francisco, tivesse como porta vozes oficiais um governador metido no imbróglio e um ministro da Justiça famoso por sua falta de noção.
Temer falou porque sua covardia o impede de agir quando não sob pressão. A coragem ou a impetuosidade estão dormindo desde 1940.
Foi assim, por exemplo, que apareceu no velório da Chapecoense, quando respondeu ao estímulo do pai de um jogador, que o mandou tomar vergonha na cara.
Agora: “acidente pavoroso”?? O problema de Temer é que, depois que ele fala, sua turma se lembra de que era melhor ele ter continuado quieto.
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Veríssimo: persiste entre nós um sentimento de que criminoso tem que sofrer mesmo
Da coluna de Luis Fernando Veríssimo no Globo:
‘Empatia’, nos diz o dicionário, é a capacidade de sentir o que sentiria na situação ou nas circunstâncias experimentadas por outro. Ou seja, a capacidade de se colocar no lugar do outro e sentir o que ele sente, um requisito não só para a solidariedade e a caridade, mas para a vida civilizada. Há situações refratarias à empatia, que, por mais que você tente, não consegue imaginar. Você pode se imaginar preso, mas não consegue imaginar, por ser tão distante das suas expectativas, estar numa cela em que cabem cinco, com 15 — ou mais. O sistema carcerário brasileiro é um escândalo que atravessa os tempos e os governos e só se agrava. O ódio e a revolta nutridos pela condição desumana das cadeias superlotadas explodem, como nesse horror em Manaus, ultrapassam o nosso imaginário e destroçam qualquer tentativa de empatia.
A empatia falta porque não temos como experimentar o monstruoso, mas também falta em quem tem a responsabilidade de enfrentá-lo, e diminuir o escândalo. Nossa empatia com o que sofrem os apenados vai até a selvageria de Manaus e do Carandiru, depois entramos no território do inimaginável, onde a empatia não alcança. Já o descaso de sucessivos governos com a desumanidade das nossas prisões, o outro nome da falta de empatia, é criminoso. Tanto a nossa falta de empatia quanto o descaso das autoridades, que gera o horror, vêm do nosso passado escravocrata, do tempo da chibata. Persiste um sentimento, não declarado mas evidente, de que criminoso tem que sofrer mesmo, que condições mais humanas nos cárceres são um luxo imerecido. Vale lembrar que os policiais acusados pelas mortes no Carandiru foram absolvidos.
Em Manaus, duas facções se enfrentaram ferozmente, e os perdedores foram mortos e, em muitos casos, desmembrados. Você lê a notícia terrível e tenta pensar em algum alento. Eram bichos, não eram homens. Não tenho nada a ver com eles. Somos de raças diferentes, vivemos em países diferentes. Mas o consolo não funciona. Sou da raça dos responsáveis pelo que eles se tornaram. Vivemos no mesmo país, mas não há nada que eu possa oferecer aos meus conterrâneos. Nem minha empatia.