JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
No artigo anterior demonstrei que grande parte da dívida dos Estados junto à União é tecnicamente nula. Não só isso. Para pagar uma dívida inventada pelos tecnocratas da Fazenda federal no governo Fernando Henrique e confirmada nos governos posteriores de Lula e Dilma, os Estados foram obrigados a recorrer a endividamento externo adicional - o que Maria Lúcia Fatorelli, a grande especialista brasileira em dívida pública, assim como eu próprio, classificamos simplesmente como “aberração”. Em síntese, para pagar uma dívida que não existia em reais, os Estados se endividaram em dólar.
A questão já não é mais aliviar a forma de pagamento dessa dívida, conforme o projeto aprovado na Câmara, mas de sustá-lo e iniciar o ressarcimento do que foi pago indevidamente. De acordo com os levantamentos contábeis de Fatorelli e do auditor João Pedro Casarotto, a dívida no momento do refinanciamento em 97 era de R$ 112,18 bilhões e parte foi paga pelo Governo Federal em títulos públicos. No todo, os Estados já pagaram à União R$ 277 bilhões até 2016. Mas devem ainda R$ 476 bilhões não apenas pelo que não deveria existir, mas pelo que foi inflado através de juros escorchantes e condições espúrias de pagamento parcelado.
Antes de tratar da sustação dos pagamentos e do ressarcimento do pago indevidamente, é importante esclarecer a natureza última desse processo financeiro que Fatorelli chama de “sistema da dívida”. Há dois propósitos articulados. Primeiro, o de estrangular financeiramente os Estados para inibir sua capacidade de financiamento do desenvolvimento conforme preceitos do Estado mínimo neoliberal; segundo, fazer dos Estados um instrumento de captação de dólares no exterior para alimentar a máquina de extração e remessa de recursos da economia brasileira pelo capital financeiro internacional.
Desculpe-me o meu querido presidente Lula, o grande presidente brasileiro dos pobres, mas seus ministros da Fazenda, consciente ou inconscientemente, péssimos em economia, não conseguiram ver o que estava acontecendo e sancionaram a sangria dos Estados. Em verdade, não sei o que teria acontecido se tentassem enfrentar essa situação. Muito provavelmente Lula seria derrubado, como foi derrubada por muito menos a presidenta Dilma, embora tão generosa com os bancos como seu patrocinador político. Mas vamos desligar o farol de ré. Vamos olhar para a frente.
Sustento que toda a dívida contábil acumulada contra os Estados, R$ 476 bilhões, deve ser ressarcida na medida em que o principal, inclusive a parte eventualmente não nula, já foi pago. Isso pode ser feito em cinco parcelas anuais de R$ 95,2 bilhões, integralmente nos dois primeiros anos e refinanciado em oito parcelas nos anos seguintes, totalizado dez anos. Não são valores arbitrários. No único e verdadeiramente eficaz plano de investimento anticíclico feito pelo Governo Federal para enfrentar a crise de 2008, foram transferidos do Tesouro para o BNDES, e deste para a economia, recursos da ordem de R$ 180 bilhões em dois anos, menos do que se transferiria aos Estados nesse esquema em dois anos.
Não há a mais remota possibilidade de que uma injeção de recursos dessa ordem na economia dos Estados, na situação de depressão em que estamos, gere inflação. Ao contrário, a economia, como um todo, está com sede de déficit público, conforme ensina a boa tradição keynesiana que os neoliberais tentaram obscurecer. Além disso, na negociação para o ressarcimento dos recursos cobrados indevidamente aos Estados o Governo Federal pode impor uma, e uma só condição: que o dinheiro seja aplicado em investimentos de infraestrutura e em serviços públicos e programas sociais. Isso constituiria a parte estadual do New Deal brasileiro.
Essa será a resposta que o próximo Governo brasileiro - não este que está aí, claro, mergulhado em corrupção e más intenções - pode dar ao neoliberalismo. Importante para isso é um grande pacto social e político com vistas para o futuro. Esqueçamos as siglas dos partidos. Visemos às pessoas. Tenho diletos amigos entre tucanos, peemedebistas, petistas, comunistas, muitos deles sinceramente em busca de um melhor destino para o Brasil. As cúpulas partidárias derreteram. Vamos buscar outros meios para reconstituir a direção política do país, que exige uma limpeza em regra na República, mas que exige também uma reconstituição sem a qual não haverá democracia, mas anarquismo.
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