JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Praticamente todas as pessoas do meu relacionamento às quais tento chamar a atenção para o iminente desfecho da crise política brasileira acham que estamos numa situação normal, preparatória dos festejos natalinos. A uma delas, meu querido amigo Gilberto Carvalho, ex-ministro de Lula e de Dilma, acabo de dizer que me encontro na situação de uma personagem do “Ensaio sobre a cegueira”, de Saramago, que não via a merda que se avolumava em torno dele enquanto se dedicava a atividades ditas “normais”.
Não creio que as polícias militares tenham um poder de fogo suficiente para promover uma revolução no Brasil. Seu poder, contudo, consiste em não usar poder. Se a Polícia Militar do Rio, acompanhando o que está acontecendo em Minas, parar de trabalhar estará instaurado o caso nos Estado, que logo se estenderá ao resto do país na medida em que todas as polícias militares estão na mesma condição de serem estranguladas pelo projeto neoliberal. O morro vai descer, é o que se dizia no tempo da ditadura. Nunca desceu. Agora é diferente.
Costumo dizer que miliares se movem pela honra e pelo soldo. Tirem-lhe a honra e deixem o soldo, e nada acontece. Tirem o soldo e deixem a honra, e nada acontece. Mas não lhes tirem a honra e o soldo simultaneamente. E é justamente o que acontece neste momento com as polícias miliares, de quem está sendo retirados simultaneamente a honra e o soldo. Estão sendo jogadas contra o povo pelos mesmos motivos que, se fossem civis, estariam se manifestando pacificamente contra as medidas draconianas do governo contra todo o povo.
A Polícia Militar de Minas praticamente se sublevou, convencendo o governador Pimentel a tomar uma atitude de confronto direto com o Governo Federal no famigerado projeto de renegociação da dívida dos Estados, o qual não é negociação de forma alguma, mas simples imposição dos conceitos e das medidas de Estado mínimo para estrangular os Estados na mesma direção que se pretende estrangular o Governo Federal por vinte anos, com a infame Emenda 55/241, comprada de um Congresso sabidamente corrupto.
Lenin dizia que a corrente se rompe sempre pelo lado mais fraco. Não está se rompendo pelo elo das Forças Armadas, que tem tido um comportamento exemplar nessa crise, mas pelo lado da Polícia Militar, mais estrangulada pelo Governo. Diante dela, um governo que se apresenta como formalmente legal, revela-se em seu cerne como absolutamente ilegítimo, e na prática efetivamente corrupto, como demonstram as próprias medidas provisórias e leis que está vendendo ao grande capital e à banca.
Salve heróis de Minas. Esta é a nova Inconfidência. Espera-se que, além das do Rio Grande, Pernambuco, Bahia e Rio, outras polícias militares entrem no jogo, sustentando a posição de legitimidade que possibilitará ao país alguma paz natalina. Entrem em contato com as Forças Armadas para que, sem desvio ditatorial, e a despeito de corruptos que ainda resistem no Congresso, encontremos, junto com o poder civil responsável, uma saída política para o Brasil que vá além de seus salários, mas lhes atenda a honra com uma nova economia.
Disse acima que não acredito no poder das PMs de promover uma revolução. Digo agora qual a forma que assumiria uma revolução que resultaria da omissão da PM em exercer nos atividades normais de policiamento. No Rio, tão logo tomasse conhecimento da greve da PM, a marginalidade armada desceria dos morros ou das periferias metropolitanas para assaltar diretamente, ou dar cobertura a invasões de supermercados, mercearias, padarias e tudo que remontasse a comida para os desesperados. Querem mais? Cuidem-se as famílias. E exercitem a imaginação.