Por KIKO NOGUEIRA - Via DCM -
Não fosse uma nota numa coluna da revista Época, você jamais ficaria sabendo que Aécio Neves foi depor na Polícia Federal.
Pois o senador foi ouvido no inquérito que apura se ele fraudou dados da CPI dos Correios, de 2005.
Se houve vazamento para a imprensa, ninguém deu manchete. Mais provavelmente, nada foi vazado.
Também não teve cobertura ao vivo na GloboNews, helicóptero, agentes com fuzis e muito menos condução coercitiva. Tudo nas mais perfeitas calma e civilidade.
Sob essa cortina de silêncio, escapou a razão do depoimento. Em sua delação premiada homologada no STF, Delcídio do Amaral contou que o mineiro maquiou informações obtidas no Banco Rural pela Comissão Parlamentar de Inquérito que ele presidiu.
Suspeita-se da ocultação da relação entre o banco e o mensalão mineiro.
Delcídio também implicou Eduardo Paes, na época deputado federal pelo PSDB, e Clésio de Andrade.
“Que os dados atingiriam em cheio a pessoas de Aécio Neves e Clésio Andrade, governador e vice-governador de Minas Gerais”, lê-se na delação.
Sobra ainda para Carlos Sampaio, o pitbull de Aécio ao longo de 2015 e meados de 2016. Sampaio saberia da tentativa de maquiagem.
Em outubro, Gilmar Mendes atendeu ao pedido de Janot e autorizou a PF a analisar vídeos do transporte de documentos da CPI dos Correios.
No dia em que o inquérito sobre Aécio foi aberto, 3 de maio, servidores transportaram caixas de uma sala para a Coordenação de Arquivo do Senado a pedido do gabinete do tucano.
Aécio alegou que estava colhendo elementos para apresentar a sua defesa. Você acredita se quiser.
O maior desrespeito dos agentes que quiseram ouvi-lo na terça foi tirar Aécio Neves da praia com um sol desses. Isso não se faz. Cadê o estado de direito?
***
***
Muito além do sorvete: Temer e Häagen-Dazs têm em comum a história falsificada
Michel Temer recuou novamente. Agora renunciou ao sorvete que encomendou para seu avião. A licitação de R$ 1,75 milhão havia sido lançada na semana passada e foi notícia na coluna de Lauro Jardim.
Empresas interessadas deveriam apresentar suas propostas para o serviço na próxima segunda-feira, dia 2.
No meio de uma crise sem precedentes, em que ele se orgulha de tomar “medidas impopulares” e recessivas, Michel se sentiu à vontade para gastar, por exemplo, R$ 7 500 em gelados da Häagen-Dazs — 500 potes de 100 gramas, R$ 15,09 cada um.
Diante do barulho, Temer fez o que já virou sua especialidade e recuou, mas o estrago está feito, mais um numa coleção de desastres.
O presidente e a Häagen-Dazs, veja só, têm um ponto vital em comum: a história de ambos é uma fraude. Temer assumiu o poder num golpe, montado numa fama de grande articulador político (na verdade, era operador de gangue).
Conspirou, escreveu cartas fajutas reclamando de ser vice decorativo, depois se incluiu num jantar com Putin que nunca existiu. Ocupa um cargo com 8% de aprovação. Agora diz que quer ser reconhecido como “o maior presidente nordestino que passou pelo Brasil”.
Já a Häagen-Dazs não é dinamarquesa, alemã ou sueca. É do Bronx, bairro de Nova York. Reuben Mattus fundou o negócio com a mulher Rose na década de 60.
O nome não significa nada, como o de Michel Temer.
A empresa começou com três sabores: baunilha, chocolate e café. Mattus inventou o título porque achava que ele transmitia uma “aura das tradições do Velho Mundo”, segundo o site oficial.
Ele acrescentou o trema, acento que não existe na língua dinamarquesa. As embalagens originais continham um mapa da Dinamarca para dar a impressão de que o produto era europeu.
Em marquetês, isso ganhou o nome de “storytelling”. A Diletto também criou uma mitologia fake.
A maior diferença entre os dois é que, ciente da farsa da Häagen Dazs, você continuará amando o sorvete (o que é aquele de cheese cake, benza deus?). Já o Michel é cada dia mais desprezível.