Por CHRISTOPH STRACK - Via DW -
O pontífice argentino trouxe movimento à Igreja Católica. Mas ela estará disposta a segui-lo? Ao completar 80 anos, Francisco instiga e até provoca sua própria instituição, opina o jornalista Christoph Strack.
Há muito o papa Francisco transformou a Igreja Católica. Desde sua eleição em 13 de março de 2013, circula nos meios eclesiásticos uma nova, talvez ainda hesitante, atitude de abertura. Sobretudo quem vivenciou a atmosfera sombria, sufocante dos anos anteriores é capaz de avaliar bem o significado dessa mudança.
Olhando-se objetivamente, o papa “do fim do mundo” iniciou mais processos do que já concluiu. No entanto, nota-se que em seu primeiro ano na cátedra de São Pedro – bem no espírito jesuítico – ele formou uma visão sobre numerosas questões.
E que desde então coloca determinadas ênfases, modifica certos pontos e procura dar exemplos, de forma francamente demonstrativa. Nem todas as palavras dele estão a salvo de críticas: mas isso também faz parte de sua franqueza. Os historiógrafos da religião católica de gerações futuras terão enorme prazer acadêmico em analisá-las.
Quem pretender rotular o latino-americano como liberal, progressivo, ou mesmo “conservador no bom sentido”, vai se dar mal: Francisco não pertence a uma só facção. Nestes pouco mais de 45 meses, ele impôs limites bem definidos, em ambas as direções.
Exemplo num sentido: com determinação extrema, no início do ano ele descartou que mulheres prestem sacramento, sequer que façam sermão nas celebrações da eucaristia. Nem seu antecessor, o conservador Bento 16, teria formulado a interdição de forma mais clara.
Exemplo no outro sentido: com a encíclica Amoris Laetitia (Alegria do amor), Francisco estabeleceu um novo padrão de responsabilidade para os ministros na formação de opinião e na atuação ética. Concretamente, ele trata do acesso à comunhão para católicos casados por uma segunda vez, após o divórcio. A misericórdia, esse conceito central do pensamento de Francisco, desponta renovada como critério para a ação eclesiástica.
Não é absolutamente por acaso que quatro defensores do velho estilo – cardeais de uma doutrina supostamente “pura”, como o ex-arcebispo de Colônia Joachim Meisner e o arcebispo emérito de Bolonha Carlo Caffarra – agora se oponham a essa interpretação. Exacerba-se um conflito em torno da concepção básica de Igreja, e o papa argentino aposta numa Igreja que está mais próxima das pessoas e que não se orienta apenas pelos leigos de educação elitista.
“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e suja porque saiu às ruas, do que uma Igreja doente por estar fechada, acomodada e agarrada às próprias seguranças. Não quero uma Igreja preocupada em ser o centro, e que termina emaranhada em obsessões e procedimentos.” Nenhum dos críticos do pontífice pensaria em se expressar desse modo.
Por isso é equivocado só se fixar em Francisco e celebrá-lo como motor de uma renovação. Não, esse papa sabe que é preciso transformar a Igreja, a cara da Igreja, se ela quiser se reaproximar das pessoas, se quiser voltar a abordar as questões de hoje em dia. E, numa frase ou em outra, nota-se que, nesse processo, ele insiste em manter um alto nível de raciocínio, sem apelações.
O papa completou 80 anos neste sábado (17/12). A questão mais premente é se e como a Igreja se deixará contaminar pela coragem, pela franqueza dele. Franqueza significa abertura. Pois a questão não são as reformas sob o pontificado de Francisco: a questão é reformar a Igreja. E nem todas as participações no debate mostram que ela esteja pronta para tal.