29.12.16

LEGALIZAÇÃO DA MACONHA E FIM DA PM – PARTE 1

ANDRÉ BARROS -

Legalização da maconha e fim da polícia militar: estão aí duas propostas que devem caminhar lado a lado e não separadas por tabu ou preconceito. A guerra às drogas, principalmente quando pensamos na planta, é tão ultrapassada quanto uma polícia que se chama “militar”. Entenda mais sobre essa sensível questão com o advogado e ativista André Barros.


Sob o argumento mentiroso da ressocialização, nosso sistema penal, já nascido como uma verdadeira farsa, teve um papel fundamental na construção dessa brutal desigualdade social e no massacre contra negros e pobres. O sistema de segurança, na realidade, é punitivo, e eficiente no seu objetivo de perpetuar a escravidão de uma sociedade racista. A função do sistema de segurança é manter negros e pobres na miséria da favela, assassinados pelo braço armado do Estado ou presos em seus campos de concentração.

O Poder Judiciário – um dos pilares do sistema penal-punitivo de segurança pública – é claramente racista e dividido em classes: ministros e desembargadores brancos, privilegiados, com altos salários, cercados de mordomia nos palácios da justiça, prendem e condenam jovens, negros e pobres a verdadeiros campos de concentração chamados de penitenciárias.

Na base de todo esse sistema, está a polícia militar, que leva a quase totalidade dos casos à polícia civil. Essa, por sua vez, vai lavrar o auto de prisão em flagrante e instaurar o inquérito, a fim de preparar a ação penal que será movida pelo Ministério Público. O processo seletivo de criminalização acontece em duas etapas: a primária, pela lei que criminaliza diversas condutas e abre a possibilidade de punir determinadas pessoas; e a secundária, quando a polícia militar, prendendo, seleciona ainda mais. Em relação ao tráfico de drogas, por exemplo, a quase totalidade de pessoas presas por esse crime é de jovens e negros. Sabemos que esses não passam de soldados ou escravos do mercado de drogas e armas, enquanto banqueiros e empresários brancos estão por trás desse negócio mundial que passa da zona do trilhão de dólares.

No Brasil, a criminalização da maconha tem raízes racistas, pois foram os negros que trouxeram o hábito de fumar a planta da paz. A polícia militar também tem origem racista, pois surgiu em substituição ao posto de capitão do mato. Extremamente estratégico, mais que somente perseguir negros que fugiam da escravidão, o capitão do mato reunia funções punitivas essenciais à construção e manutenção da economia escravocrata.

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As propostas de legalização da maconha e do fim da polícia militar, quando debatidas isoladamente, já se deparam com muitos tabus, preconceitos e discriminações. Apesar da abordagem desses assuntos em conjunto ser impreterível para o novo debate da segurança pública, quando ambos são colocados ao mesmo tempo, o tabu é ainda maior, a ponto disso ser praticamente proibido. Não devemos ter medo de abrir esse debate, pois as duas propostas já vêm sendo discutidas nas faculdades, nas instituições ligadas à política de segurança pública e, inclusive, pelos próprios policiais.

Essas propostas devem ser combinadas enquanto medidas iniciais para um real processo de paz. Temos de encontrar uma saída para retirar das mãos de adolescentes, jovens, negros, pobres, essas armas semi-automáticas e automáticas fabricadas nos Estados Unidos da América, na Europa e na Ásia. Em outras palavras, libertá-los do mercado mundial de compra e venda de armas e munições, sustentado pela ilegalidade do mercado de drogas tornadas ilícitas. A concepção de que existe uma guerra contra os moradores das favelas é que leva a polícia a acreditar que sua função é militar. É necessário desmascarar essa farsa, inclusive dentro da própria polícia, por meio da compreensão de que não existe guerra nenhuma, mas que são usados para um verdadeiro massacre!

O debate sobre a combinação das propostas de legalização da maconha e o fim da polícia militar está começando e precisa se espalhar. A criminalização de uma planta e uma polícia chamada de militar são circunstâncias absolutamente ultrapassadas, que caminham juntas para o fim. As ruas gritam: “não acabou, tem que acabar, eu quero o fim da polícia militar”. Porém, por conta do medo do debate público, esse forte pensamento coletivo ainda ecoa muito pouco, mas não há razão para isso, pois a discussão já vem se dando de maneira isolada. Nosso desafio é reunir essas duas importantíssimas bandeiras.

Em 2017, vamos fortalecer essa combinação e fazer rolar numa perspectiva completamente inversa o debate desse engodo chamado segurança pública.

*Fotografia: Dave Coutinho / Smoke Buddies – Marcha da Maconha Rio 2016