2.12.16

HISTÓRIA DE AMOR SEM FINAL

MARCELO MARIO MELO -


De repente visível só para ele seu rosto se desenhava entre as folhas em tons prateados ocupando a copa da árvore vista da janela. Olhava-o e quando sorria projetava raios ensolarados que o aqueciam e tocavam como se fossem mãos indo dos carinhos de algodão e embalo às carícias de furor e fogo podendo provocar situações delicadas pois não escolhia hora e às vezes ele estava em tratos de trabalho com pessoas ao lado quando ela chegava com toques despudorados divertindo-se e ousando mais ante o seu esforço para disfarçar. Afora esses momentos embaraçosos era uma maravilhação quando ela aflorava na árvore e ficavam sós.

Ela surgiu na sua vida num momento em que ele estava sem par e logo ele se apaixonou vivia o tempo todo à sua espera não sentia atração por nenhuma outra mulher em todas via o seu rosto tomando-lhes emprestado o corpo mas continuava a se sentir solitário porque embora lhe agradassem os encontros mágicos ela era uma mulher-miragem ocasional e só lhe aparecia no local de trabalho ali naquela árvore de onde lançava os raios não era uma mulher palpável para conjugar verbos de amor.

Em finais de semana ou à noite ele ia a parques sítios locais onde houvesse árvore igual e se postava esperando que ela viesse mas o milagre não ocorria e ele cada vez mais se angustiava. Seu ritmo de trabalho diminuía as pessoas começavam a estranhar o seu comportamento nos momentos em que ela aparecia. Ela não falava não se comunicavam não havia diálogo para uma tentativa de entendimento para passar daquela situação a algo mais satisfatório. Saturado ele decidiu tirar férias sair do foco do problema e ver se aparecia alguma idéia para superar o impasse.

Passou um mês morrendo de saudade e no primeiro dia do retorno ela se mostrou na árvore olhando para ele mas agora sem sorrir com ar triste não lançou os raios e gotas de lágrimas rolaram nas folhas. Dia após dia a cena se repetia as lágrimas tomando corpo de chuva. Ele não conseguia fazer nada além de se inquietar procurando uma interpretação sem saber onde somando a sua tristeza com a dela cada vez mais chuvosa.

Ele desconhecia que ela tinha sido uma mulher muito romântica que se apaixonava se envolvia e era sempre traída e descartada. No último desenlace se pôs num canto em rio de lágrimas que foram se evaporando formando uma nuvem que a envolveu e ela também nuvem terminou instalada naquela árvore com o desígnio de só voltar a ser mulher e descer à terra quando no amor de um homem pudesse confiar. Já como mulher-árvore tivera diversos desencantos pois os homens de quem se aproximara curtiam suas carícias mas quando se retiravam não a valorizavam como num programa ocasional ou extra-conjugal entre parênteses.

Agora ela sentia naquele homem sinais de um sentimento verdadeiro movendo-lhe impulsos de voltar a ser mulher descer da árvore e se apresentar tentar mais uma vez viver o amor total. Mas quando esses impulsos se insinuavam um turbilhão de imagens do passado a assaltavam acinzentavam-na cobriam-na de tristeza e ela restava travada e triste como agora embebida em lágrimas.

Passara à condição de mulher-árvore por desespero e cautela vigilante pois fora muito ferida pelos homens e por mulheres a eles ligadas decidiu por um tempo se despojar da vida humana passando à condição de vegetal e nuvem. Pensava assim ficar imune às emoções do amor e também poder melhor observar os homens que lhe interessavam e porventura merecessem que lhe lançasse raios e talvez até descesse para formarem um par.

Foi assim que chegou àquele homem depois de muito o observar como nuvem. Viu que ele também fora abandonado por uma mulher e que com ela nunca agira errado, como é habitual entre os homens infiéis. Acompanhou-o nas andanças pós-expediente emocionando-se com os seus reiterados plantões em arvores esperando um sinal seu. Na vidraça da sua janela assistiu às suas insônias e aos seus desesperos de delírio e busca de prazer solitário pensando em si.

Tudo isto caracterizava um amor confiável assinalando o momento de ela descer da árvore e se apresentar mas um temor tirânico a retinha. Do lado dele impunha-se um cinzento não-saber constelado de interrogações sem rumo agora agravado por ela de olhar triste sem mais soltar os raios e chovendo lágrimas. Nesse entrechoque ela e ele definhavam como uma linha fina esticada prestes a se romper.

Chego ao final sem conclusão informando aos leitores que esta não é uma história inventada por mim mas ouvida de uma musa que interrompeu subitamente o relato para atender ao chamado de urgência de outro poeta. Restam os meus votos para que os raios do amor vençam as nuvens do trauma a mulher desça da árvore e se apresente ao seu amado correndo o risco de viver com ele um novo amor. E fica ao leitor a liberdade de concluir a história a seu modo.