23.11.16

O DIA EM QUE OS CANHÕES SALVARAM A DEMOCRACIA

CARLOS CHAGAS -


Sexta-feira, 11 de novembro de 1955, o Rio não dormiu. Ou dormiu pouco, porque de madrugada a cidade já estava acordada. Em todos os quartéis e repartições do Exército havia movimentação inusitada. Tanques e canhões ocupavam as principais avenidas e praças. Soldados equipados guardavam repartições federais e, de forma um tanto estranha, cercavam estabelecimentos da Marinha e da Aeronáutica.

No ministério da Guerra, as luzes estavam acesas, em especial nos andares dos gabinetes do ministro e do comandante do I Exército. Aparelhos de telegrafia e telefones não paravam de tilintar, transmitindo ordens e recebendo adesões das unidades espalhadas pelo país inteiro.

O Exército erguia-se em solidariedade ao ministro Henrique Teixeira Lott, demitido na véspera mas horas depois outra vez instalado em seu gabinete pela totalidade dos demais generais e altos oficiais. Levantava-se o país armado para evitar o golpe engendrado pelo presidente interino da República, Carlos Luz, apoiado pela Marinha e a Aeronáutica, empenhados em não dar posse ao presidente eleito, Juscelino Kubitschek. Em nome da legalidade e para assegurar o regime democrático e a Constituição, o  general Lott aceitara chefiar a rebelião. Um golpe para evitar outro golpe, ironicamente batizado de Movimento de Retorno aos Quadros Constitucionais Vigentes. A agressão à semântica tinha sido o único erro do Exército, porque como retornar ao que não era mais vigente?

Enquanto o sol nascia, o presidente derrotado e mais uns poucos ministros e conspiradores conseguiram embarcar no cruzador “Tamandaré”, rompendo a linha de defesa das fortalezas do Exército, na entrada da baía da Guanabara. Diz a crônica que general Lott mandara bombardear e afundar o navio rebelado. Como estávamos no Brasil,   as fortalezas atiravam, o estrondo era grande, mas nenhuma bala acertou. Brasileiros matando brasileiros? De jeito nenhum.

O navio seguiu para o Sul, mas precisou voltar, pois nenhuma adesão foi conquistada. O Exército dominava o litoral e o interior. O Congresso encontrou outro presidente interino, no caso Nereu Ramos. Juscelino Kubitschek tomou posse, dias depois, mantendo o general Henrique Lott como ministro da Guerra. Estava salva a Legalidade, pelo menos até 1964. Ainda hoje ressoam os estampidos dos poderosos canhões das fortalezas. Merecem medalhas os bravos artilheiros que, de propósito, erraram o “Tamandaré”. Da mesma forma os marinheiros que não responderam ao fogo amigo. Felizmente, os canhões não falaram.