JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Estamos a uns 13 a 15 votos de senadores da República para que se possa evitar que sejamos tragados por um torvelinho de convulsão social que, no limite, nos poderá arrastar para uma guerra civil explícita. Aqueles que tem olhos para ver, que vejam: esses números são o que falta para completar os garantidos pela bancada minoritária para rejeitar a PEC-55, ou a PEC da Morte, na votação de segundo turno dia 13 no Senado. Não se trata de uma metáfora: já estão presentes todos os elementos de uma convulsão social no país. Basta uma centelha para desencadear o incêndio. A PEC da Morte, se passar, tem todos os elementos para isso.
Vivemos seguramente a época mais sombria da história brasileira. Todas as instituições superiores da República derreteram. Ninguém mais respeita o Executivo ilegítimo, a Câmara irresponsável e venal, o Judiciário e o Ministério Público engolfados pelo corporativismo, as polícias suspeitas de corrupção. Esse derretimento transbordou para a sociedade civil, da qual instituições como OAB e ABI, que no passado exerceram um papel heroico na luta pela democracia, tornaram-se agora cúmplices da ditadura civil que nos está sendo imposta de forma progressiva pelos que chegaram ao poder sem voto.
O desafio que nos está sendo colocado pela história é a necessidade de uma varredura completa da superestrutura republicana. Entretanto, quem a fará? Normalmente isso seria o papel circunstancial da sociedade civil, mas grande parte dela, como observado, está podre. Tenho refletido sobre isso e me ocorre uma única resposta: é preciso, no que resta de credibilidade da sociedade civil, unir a universidade e a parte não corporativa dos trabalhadores e desencadear o processo de limpeza das cavalariças do rei. Na verdade, o processo de limpeza já começou, surpreendentemente, pelos secundaristas das ocupações.
Estudantes e trabalhadores estão entre as principais vítimas da degradação das instituições do Estado. E são a parte da sociedade civil não comprometida com o derretimento institucional, a corrupção e o golpismo. Se a PEC-55 passar, alguém muito provavelmente se sentirá animado a gritar: todo o poder a estudantes e trabalhadores. Isso, no bojo de uma convulsão social, poderá resultar em carnificina. Muitos poderão querer apelar para as Forças Armadas, mas também elas poderão se dividir, notadamente se se virem como vítimas, como de fato serão, da PEC da Morte, que não poupou militares por excesso de confiança neoliberal.
Vejo um cenário tão lúgubre que prefiro buscar uma alternativa: o que poderá evitar esse descalabro social e político? A resposta imediata, claro, é: rejeitar a PEC da Morte. Mas como rejeitá-la? De novo, a resposta parece simples: convencendo os 13 a 15 senadores do centro que poderão decidir a votação para esse lado. Mas como fazer isso? Minha resposta, que provavelmente está na cabeça de muito mais gente: colocando um milhão de pessoas nas ruas das principais metrópoles brasileiras pedindo aos senadores que votem contra a PEC, assim como, no passado, milhões de brasileiros foram para a rua e derrotaram a ditadura.
Acredito que não é necessário demonstrar aqui o que a PEC-55, aprovada na Câmara com o número 241, representa para o setor público brasileiro. Poucas propostas legislativas tiveram, em tão curto prazo de tempo, e não obstante as trapaças no Congresso para lhe encurtar o período de discussão, maior repercussão a mais análises independentes. Entretanto, vou acrescentar um elemento de análise que tem sido omitido, tendo em vista a ênfase (justificada) no previsível estrangulamento do Estado e dos serviços públicos. Falo de igual estrangulamento também do setor privado e, sobretudo, do emprego.
Os facínoras que estão propondo a PEC parece desconhecerem as relações econômicas entre setor público e setor privado. Congelar o investimento público, como proposto, equivale a congelar o investimento privado que lhe está associado. Isso é o reverso de uma política keynesiana, ou política anticíclica. Em termos keynesianos, a única forma de sair de uma depressão – e estamos em depressão por dois anos, caminhando para um terceiro – é pela expansão do investimento público deficitário. Congelar o investimento em construção de casa, por exemplo, é congelar o investimento em cimento, tijolos, materiais, móveis etc etc. E disseminar pelo país o desemprego. É, enfim, congelar o estado de depressão da economia.
Vamos, pois, ao ponto decisivo: como colocar um milhão de pessoas na rua para convencer os senadores a derrubar a PEC? Só tem um jeito, a meu ver. Tentado convencer o povo da tragédia a que estamos sendo levados. Acho que foi nesse espírito que a CNBB e os evangélicos ecumênicos estão se manifestando fortemente contra a PEC. Em Brasília haverá uma grande mobilização no dia 7 de dezembro. Outras mobilizações isolada ocorrem por todo o país. No Rio, Curitiba e Recife, será no dia 9. Esta última é fundamental, pois será realizada numa sexta-feira, a quatro dias da votação em segundo turno. Dela não podemos esperar nada menos do que uma replicação das Diretas-Já, que derrubou o AI-5.