EDUARDO PAPA -
Na Rússia de Catarina II, o Príncipe Grigori Potemkim, responsável por governar uma das regiões mais importantes do Império, notabilizou-se por tocar projetos faraônicos como a construção do porto de Sebastopol, da frota do Mar Negro e da colonização do sul da Ucrânia, movimentando imensas somas sem muita transparência nos gastos e com resultados duvidosos. O sacrifício imposto ao povo gerou muita miséria, mortes e descontentamento entre os trabalhadores e as populações afetadas pelos grandes projetos, chegando a alcançar repercussão internacional.
Preocupado com a imagem de incivilidade da Rússia na Europa, Potemkim organizou em 1787 uma viagem cerimonial da imperatriz as províncias do sul e convidou a imprensa internacional para conferir o progresso do país e dissipar as desconfianças de que o povo era maltratado. Para que nada desse errado Potemkim tratou de construir no caminho da comitiva verdadeiras vilas cenográficas, com camponeses gordos, animais bem tratados, belas casas asseadas, tudo de bom. O problema foi que um jornalista inglês notou que uma mesma camponesa, feliz e bem nutrida, aparecia em vários pontos do trajeto, a farsa foi desmascarada e o termo vila potemkim foi incorporado ao jargão político como sinônimo de farsa, de obra feita literalmente para inglês ver.
Quando chegaram os huguenotes de Villegagnon e depois a tropa de Estácio de Sá, o que havia aqui era a Aldeia Guarani, tipo de povoamento primitivo, desprovido das comodidades básicas sem as quais não poderíamos viver, que abrigava porém um povo belo, sadio e equilibrado, que não sofria com enchentes e para o qual palavras como engarrafamento, estresse, mobilidade e outras mais não fariam o menor sentido. Séculos se passaram, virarmos a sede de um império, a capital de uma república e agora do estado do petróleo, mas nosso destino parece o de ser a maior vila potemkim do planeta.
Assim como o porto de Sebastopol na Rússia, construída com o sangue, suor e lágrimas de escravos, pobres e imigrantes, essa imensa cicatriz de concreto que rasga a natureza entre o mar e a montanha, poluída, instável e caótica, que carinhosamente chamamos de cidade maravilhosa, está se transformando na maior farsa de nossos tempos. Escolhida para ser a vitrine do novo Brasil emergente, capaz de sediar grandes eventos internacionais, a cidade está passando por uma enorme maquiagem. Igualzinho lá na velha Rússia, verbas vultuosas gastas sem transparência, com suspeitas de corrupção, em obras de embelezamento feitas para inglês ver, enquanto o povo sofre na miséria.
Gastamos milhões para construir um teleférico no Alemão, que apareceu na novela mas anda vazio, enquanto os filhos dos pobres lá embaixo morrem de diarreia sem saneamento. Uma fortuna para fazer um Maracanã novinho, com ingressos que o povo não pode pagar e ainda por cima fica ilhado quando chove. Pagamos para derrubar a Perimetral criando o caos no trânsito, para ficar tudo mais bonitinho e “atrair novos investimentos.” Cobrimos o Teatro Municipal de ouro e seu palco é para eventos de patrocinadores, impondo aos apreciadores as temporadas líricas mais medíocres da história. Investimos nas UPPs para tomar conta dos favelados nas áreas de maior visibilidade enquanto a violência explode na periferia.
A cidade do faz-de-conta tem a maior rede de escolas da América Latina, onde infelizmente não se aprende grande coisa. A maior rede de hospitais federais do país, que vista de perto parece a imagem dantesca dos portais do inferno. Os rios, praias e lagoas são poluídas e as ruas imundas. A conservação da cidade é temerária com apagões e falta d’agua constantes. Os transportes são um verdadeiro martírio para os trabalhadores e fonte de lucros abusivos de concessionários. A criminalidade é altíssima e a polícia violenta e corrupta. Enfim na cidade destinada a receber os turistas a qualidade de vida dos habitantes é cada vez mais baixa.
Aproveitando a presença e o apoio da Globo estão transformando o Rio em um imenso Projac. Uma cidade cenográfica povoada por figurantes miseráveis, destinados a desempenhar um papel de claque nessa ópera bufa estrelada por corruptos e demagogos. Cada um com seu lugar no script, desde os idiotas fofinhos que vão ser voluntários do COI, até os cracudos e excluídos em geral que vão ser varridos para baixo do tapete na hora dos eventos. Cada um no seu quadrado e se alguém recusar a cumprir seu papel de coadjuvante disputando o protagonismo com o espetáculo oficial, tome tiro, porrada e bomba.
*Eduardo Papa é professor, jornalista e artista plástico, colaborou com as administrações de Leonel Brizola e do PDT no Rio de Janeiro é ativista do SEPE com atuação em movimentos sociais no Rio como contra a privatização da Marina da Glória.
**Foto da artista Ana
Branco publicada no Globo (06/set/2015) em matéria sobre o final da carreira no
magistério público.