Por MARINA AMARAL - Via Pública -
A direita jovem que emergiu no Brasil principalmente no período
eleitoral do ano passado é um fenômeno social que ainda não foi suficientemente
estudado pela academia, explica o professor Adriano Codato, da pós-graduação da
UFPR. “Estas são impressões iniciais sobre um fenômeno aparentemente novo.
Minhas respostas devem ser tomadas, portanto, como sugestões para que
reportagens jornalísticas e pesquisas acadêmicas possam ilustrar e comprovar ou
não o acerto delas”. Veja aqui suas respostas.
Vemos cada vez mais sites de direita e demonstrações nas ruas que exibem
faixas contra Bolsa-Família, Cotas Raciais, e até uma curiosa palavra de ordem,
defendida pelo jovem líder do MBL, Kim Kataguiri, pedindo “Mais Mises, menos
Marx”. A direita cresceu entre a juventude ou saiu do armário? O senhor diria
que ela foi mobilizada principalmente contra os programas sociais dos governos
do PT?
Há as duas coisas. A direita, como corrente parlamentar, voltou a
crescer, revertendo o movimento de queda constante do número de representantes
na Câmara dos Deputados que se observava desde 1994. A extrema-direita, como
corrente de opinião, começou a aparecer com uma estridência até então inédita
(ou ao menos sem precedentes desde o fim do comunismo). Ocorre que se essa
extrema-direita é, em termos ideológicos, idêntica àquela do período da Guerra
Fria, hoje tem, graças ao estrondo proporcionado pelas novas mídias e à
bajulação da velha mídia, um alcance muito maior do que jamais teve. Por sua
vez, se a direita parlamentar conta ainda com o concurso das suas figuras
políticas tradicionais (o grande proprietário, o médio empresário, o cacique
partidário, etc.), hoje se vê revigorada por uma nova legião de políticos dos
partidos fisiológicos e pela figura emblemática do pastor-deputado. Temos assim
um cenário em que uma extrema-direita pretensamente moderna (“menos estado,
mais mercado”) precisa se contentar em se ver representada politicamente pelo
baixo clero e por tudo o que há de mais atrasado, reacionário e obscurantista
em termos civilizacionais que a cena política do Brasil pode produzir. A
fotografia em que os líderes dos Revoltados on line e do Movimento Brasil Livre
posam alegremente com os deputados Jair Bolsonaro e Eduardo Cunha é, me parece,
a síntese disso. Essa é, por enquanto, a vanguarda da oposição, visto que o
PSDB, ou melhor dizendo, alguns dos seus líderes, não parece muito à vontade
para assumir, ainda, uma agenda abertamente de direita.
Os que se dizem “liberais” no país vão desde empresários que
participaram de conselhos de administração de estatais e câmaras do setor
empresarial, como Gerdau, até outros que se dizem libertarians como Salim
Mattar, da Localiza. Pode se falar em tendências de direita no Brasil como os
Libertarians, os Tea Partiers ou os Evangélicos americanos? Há uma aliança
programática entre as diversas tendências da direita para derrubar o estado de
bem-estar social que identificam com o PT?
Não há essa aliança, nem em termos programáticos, nem em termos
político-eleitorais. Ou no Brasil não há ainda uma aliança entre antiestatistas
(nosso equivalente dos Libertarians), antipetistas (nossos Tea Partiers, só que
menos ideológicos) e antiminorias (a santa cruzada dos nossos Evangélicos)
porque, penso eu, as agendas dos três grupos ainda não se aproximou
suficientemente uma da outra. E porque, principalmente, não há um líder ou um
partido que possa encarnar num mesmo movimento as três bandeiras. Celebridades
de internet e polígrafos das várias mídias não contam a não ser como agitadores
e propagandistas das três figuras da direita nacional. Talvez Geraldo Alckimin,
da Opus Dei, dizem os entendidos em sua biografia, possa fazer essa síntese
ultraconservadora em 2018. Eduardo Cunha pode ser entendido então como um
experimento para ver se a coisa engrena. Nesse contexto, a ojeriza ao Bolsa
Família (seu “assistencialismo”), o ódio às Cotas Raciais (a sabotagem da
“meritocracia”), o espanto diante da abertura dos bens de consumo privativos
das classes médias aos remediados (o “capitalismo”, enfim…) são mais a desculpa
para se opor ao PT e ao seu governo do que a razão real que os anima. Quem de
fato se aflige com tudo isso são as altas camadas médias, que aliás estão onde
sempre estiveram, nem mais à direita nem mais à esquerda, e que pensam como
sempre pensaram: que a política é um privilégio dos letrados, que os cursos
superiores são o destino dos bem-nascidos, que a corrupção é o único mal
nacional e que pobre deveria é andar de ônibus.
Como o senhor dividiria a direita brasileira? Em que facções? Elas se
distribuem em diferentes partidos ou podemos considerar algum deles como sede
da direita ideológica?
Será necessário nos próximos anos um baita esforço por parte da academia
para compreender essa nova/velha direita brasileira. Nesse sentido, a topografia
desse grande campo reacionário ainda está por ser feita. Sugiro,
provisoriamente, uma divisão dessa direita, que ainda teima em não dizer seu
nome, em três grandes alas: a político-institucional, a moral-comportamental e
a econômico-liberal. As duas primeiras se encontram e se resumem na figura do
pastor-deputado, mas, para usar a linguagem dos Evangelhos, não há só uma forma
de manifestação desse fenômeno. Seu “nome é Legião, porque são muitos”. A
direita institucional tem progressivamente deixado de concorrer às eleições
proporcionais pelos grandes partidos (DEM, PP, PTB) e se alojado nas
micro-legendas que costumamos chamar de partidos fisiológicos (por oposição aos
ideológicos). Vamos ver aonde isso vai. A direita “comportamental” tem uma
agenda conservadora bem definida contra todos os direitos do século XX: os
direitos das minorias de gênero, os direitos humanos, os direitos trabalhistas,
o direito penal, etc. Essa variante da direita brasileira se acha em quase
todos os partidos do Congresso e seus apóstolos não são sempre e
necessariamente o pastor-deputado. Até porque é preciso lutar em várias
frentes. A direita “liberal” (em termos econômicos) é, me parece, a que está aí
há mais tempo: escreve nos jornais, recita no rádio, declama na TV, posta na
internet o receituário de sempre em defesa do capital rentista (“apertar o
cinto e gastar com juros”). Enfim: que uns tenham PhD por Chicago e outros
sejam pregadores na Baixada Fluminense, que uns se metam em parecer Carlos
Lacerda na tribuna e outros ressuscitem o militar autoritário são instantâneos
de uma corrente política que parece estar se firmando entre o eleitorado das
grandes cidades. A ver.



