Por PAULO MOREIRA LEITE - Via blog
do autor -
Vez por outra, descobre-se que uma
pessoa paranóica pode ter razão - e enxergar inimigos de verdade.
Constata-se, hoje, que nem o mais fanático
adepto das teorias conspiratórias seria capaz de imaginar um roteiro tão óbvio
para prejudicar o Brasil e os brasileiros.
Depois que a Lava Jato já completou um ano e
meio, levando empresários, fornecedores e executivos para a prisão, deixando o
governo Dilma Rousseff com uma perna quebrada, tenta-se retomar de qualquer
maneira o mais antigo sonho das grandes multinacionais do petróleo e seus
aliados internos, que trabalham há 62 anos contra a Petrobras.
A partir de um cálculo
elementar, cuja base é a covardia, tenta-se aproveitar a hora de fraqueza do
Planalto, para se tentar avançar de qualquer maneira no projeto 131, do senador
José Serra, que propõe retirar a obrigatoriedade da presença da Petrobras na
exploração do pré-sal -- descoberta que alterou a posição do país no mercado
mundial de combustíveis e abriu uma perspectiva duradoura de desenvolvimento
sustentável para o país.
À sombra do ambiente de concórdia que passou a
imperar em Brasília depois que, corretamente, ficou óbvio que operações
golpistas são inaceitáveis para a população e incompatíveis com o lugar que a
nação quer ocupar no mundo, o projeto conseguiu um avanço no Senado, ontem. Não
foi uma jornada gloriosa. Foi uma manobra truculenta e repentina, que apanhou
os senadores de surpresa.
Um aspecto curioso é que nessa operação se
mobilizam lideranças que têm demonstrado uma postura amadurecida e responsável
no enfrentamento da crise política. José Serra teve um papel reconhecido para
isolar lideranças tucanas como Aécio Neves, que se dedicavam a uma aproximação
inaceitável com projetos golpistas. O presidente do Senado, Renan Calheiros,
tomou distância do incendiário Eduardo Cunha.
A luta política não é feita por anjos. Ninguém
é obrigado a abandonar suas convicções e projetos só porque os adversários se
encontram numa situação desfavorável. A questão é o método empregado, pela
construção de maiorias artificias que impedem uma boa discussão.
Ao perceber a dificuldade para ganhar o jogo a
favor do projeto 131, o presidente do Senado, Renan Calheiros, mudou a
escalação de titulares e suplentes da Comissão Especial encarregada de discutir
o projeto 131. Graças a mudança, a maioria, agora, é outra. Antes, os
adversários do projeto tinham uma vantagem de 8 contra 6, numa composição que
respeitava a vontade política dos líderes de cada bloco político, como sempre
acontece e é bom que seja assim. Agora, por decisão do presidente da Casa, o
quadro se inverteu. Estão garantidos pelo menos sete votos seguros a favor do
projeto, contra três adversários. Só é preciso, até o fim dos trabalhos,
encontrar um voto entre os indecisos para se mudar a situação. Pela vontade de
Renan, o senador Ricardo Ferraço, favorável ao projeto, e que será o relator
quando a proposta for votada em plenário, terá a mesma função na Comissão --
medida que os adversários interpretam como um esforço para garantir que não
ocorra o mais leve desalinhamento ou ruído.
Para completar o ambiente de cerco, a Polícia
do Senado foi orientada ontem a impedir a presença, nas cadeiras da plateia da
Comissão, de lideranças da FUP, mobilizada em defesa do regime atual do
pré-sal. Eles já tinham conseguido até um habeas corpus do ministro Luiz
Fachin, do STF, mas não adiantou. Identificados, nome a nome, foram impedidos
ingressar na sala destinada aos trabalhos -- como se não estivessem no
exercício, expressamente autorizado, de seus direitos políticos.
"Estamos diante de um golpe",
denuncia Lindbergh Farias (PT-RJ). Inconformados, os parlamentares que defendem
o regime atual do pré-sal se retiraram da comissão e cogitam a possibilidade de
fazer um relatório alternativo, para ser apresentado em plenário.
Pela decisão de Renan, Vanessa Grazziotin, do
PCdoB, foi substituída por José Medeiros, do PPS. Telmário Mota, de Roraima,
foi substituído por Cristovam Buarque. Fatima Bezerra tornou-se suplente.
A defesa o pré-sal inclui senadores como
Benedito de Lira (PP-AL). Alagoano de Junqueiro, ele era deputado durante o
governo Fernando Henrique, quando votou a favor da quebra do monopólio da
Petrobras. Em sua opinião "foi uma medida boa. Depois dela descobriram
reservas em Alagoas, que ninguém achava que existia. Nós descobrimos tanto gás
que agora fornecemos para o Estado e ainda vendemos para o Sergipe."
Diante do pré-sal, contudo, senador defende o
monopólio da Petrobras na exploração do Pré-Sal, por uma razão que explica com
clareza: "Depois de gastar muito dinheiro para descobrir uma mina de ouro,
você não vai entregá-la de graça para o primeiro interessado que
aparecer," argumenta. "Imagine: você, como jornalista, apura e
escreve uma matéria. Depois, aparece alguém e diz que é dele. Você vai aceitar?
Claro que não."
O esforço para garantir uma comissão alinhada
com o projeto, desde o início, confirma a dificuldade previsível para aprovar a
mudança em plenário. Isso já tinha ficado claro quando adversários do projeto
131 conseguiram reunir 60 assinaturas -- num total de 81 possíveis -- que
pretendiam garantir ao projeto um trâmite normal, que implica num ritual
tradicional, com debate em várias comissões, consulta a especialistas e até
audiências públicas, antes que fosse colocado em votação.
O esforço para fazer um debate apressado se
explica por razões técnicas e políticas. Toda pessoa que se dê ao trabalho de
buscar informações sobre o petróleo irá descobrir que a maioria dos países
optou pelo controle estatal. Isso ocorre não só porque assim é possível dar um
destino socialmente adequado dos fabulosos rendimentos que ele proporciona, mas
também porque se trata de um patrimônio estratégico, como ilustram todas as
guerras feitas em seu nome. No caso das Petrobras as perspectivas são tão
promissoras que em maio, quando a empresa parecia apanhada no contrapé para
financiamentos futuros, não teve a menor dificuldade para receber US$ 10
bilhões em empréstimos da China.
O fator político inclui uma lição banal, mas
necessária. A Petrobras faz parte do patrimônio da população e assim é vista
por ela, razão pela qual toda tentativa de desfazer-se seu patrimônio costuma
provocar reações firmes e decididas. A pressa de hoje destina-se a aproveitar o
momento de justa perplexidade de muitos brasileiros diante dos descalabros
descobertos na empresa. A oposição faturou e muito em cima da Lava Jato. Mas
pode perder seu charme -- quase vitorioso em outubro do ano passado -- se ficar
claro que só estava interessada em enfraquecer a empresa para poder vender mais
barato.
A oposição tenta andar rápido -- antes que os
brasileiros percebam o truque.



