Por WALMYR JUNIOR - Via Mídia Informal -
Quero apresentar uma série de artigos que retratam meu cotidiano e
servem de plataforma para estudarmos juntos o tema que foi aprovado na
ultima semana na CCJ da Câmara dos Deputados: a redução da maioridade
penal. Inicio trazendo um aspecto empírico daquilo que vivo, penso e
falo sobre o tema.
Quando eu era um adolescente, muita gente
andava comentando que meu fim seria o mesmo que o do meu pai. Logo após a
morte da minha mãe, quando tinha apenas 12 anos, papai se afundou na
dependência química e infelizmente gastou toda sua saúde e grana com o
uso desenfreado e abusivo da cocaína, droga que sempre repudiei. Mas foi
quando papai veio a falecer que todo mundo fortaleceu seus discursos e
fazia apostas do ano que eu seria a próxima vítima do sistema. Houve
quem disse que eu não iria passar dos 20 anos. Posso afirmar que venci a
estatística. Me tornei um homem feito, trabalhador, mas acima de tudo
um cidadão.
Afirmo que venci as estatísticas. Sabe por quê? Os
homicídios são a principal causa de morte de jovens de 15 a 29 anos no
Brasil e atingem especialmente jovens negros do sexo masculino,
moradores das periferias e áreas metropolitanas dos centros urbanos,
constata o Mapa do Encarceramento. O relatório, baseado em dados
consolidados do SIM/Datasus, do Ministério da Saúde, revela que batemos a
taxa de 56.337 vítimas de homicídio em 2012. Mais da metade delas,
52,63%, eram jovens (27.471), dos quais 77% negros (pretos e pardos) e
93,30% do sexo masculino.
De cada quatro jovens de 15 a 29 anos
do sexo masculino assassinados, três são negros, e eu cheguei aos meus
30 anos. Sobrevivi ao extermínio da juventude negra, porém continuo
vendo meus pares, meninos com a mesma história ou mais vulneráveis que a
minha, terem suas vidas ceifadas pelo sistema. Afirmo mais uma vez que
sobrevivi e passei por cima do sistema por que ser jovem, preto, pobre e
morador de favela, e ter uma família que se preocupe com sua vida,
quando você mesmo desistiu dela, é um privilégio.
Lembro-me que
na minha infância, adolescência e juventude, passei por muitas
adversidades que levaram a entrar também em conflito com a lei. Conhecia
os bailes funks organizados pelos ‘amigos do tráfico’ de ponta a cabeça
do estado do Rio de Janeiro, sabia onde e quando teria as melhores
drogas na favela, tinha uma vida fácil e relacionamentos afetivos não
era um problema. Graças a Deus, nunca atentei contra a vida de ninguém,
já patrimônios... deixemos isso para uma outra conversa.
O que
está em jogo aqui é a possibilidade de um jovem adolescente com a mesma
história que a minha não ter o mesmo privilégio que eu tive. Em poder
abraçar uma oportunidade e erguer a cabeça e reparar seus erros como eu
tive. Não fui parar nas instituições de medidas socioeducativas, mas
para alguns irmãos da favela, essa mesma sorte não chegou. Aliás, o
privilégio que eu tive é um luxo que muitos poucos tiveram e
sobreviveram como eu.
Quando um determinado parlamentar
ressuscita um debate enterrado em 1993 (data que a PEC 171 foi
engavetada) ele quer tirar de adolescentes, que entram em conflito com a
lei, a possibilidade de se reinserirem novamente no cotidiano da
sociedade. Não sejamos inocentes ao achar que a mídia não tem colaborado
incansavelmente para dar uma conotação sobre as infrações cometidas por
adolescentes e aumentar o medo, o pânico e a sensação de impunidade que
nos leva a achar que só a redução é a solução para frear a galera em
conflito com a lei, como propõe alguns parlamentares em nosso congresso.
Os meninos não nascem traficantes, ou escolhem virar bandidos. Eles
crescem em meio ao tráfico e ao crime, mas vivem o mesmo apelo social de
uma sociedade de consumo em que você é o que você tem. A galera quer
isso também, ter coisas, ser alguém, experimentar o que é pertencimento e
ser reconhecidos. Ou não vivemos em uma sociedade de produção de bens e
consumo?
Nessa lógica quero dialogar com o mestrando em
Educação, Cultura e Comunicação em Periferias Urbanas pela FEBF-UERJ,
Tiago Alves, que em um artigo publicado no site Democracia Socialista,
define muito dessa prática sistêmica que define o capitalismo como
projeto de desenvolvimento social e que escoa “n” formas as suas
produtividades, relações de trabalho, mercado, demanda e oferta.
Para Tiago “na mesma intensidade em que essas perspectivas são
alavancadas, a exclusão e a marginalidade vão se ampliando e tomando um
contorno ainda maior. As relações de Centro, Zona Sul e Periferia
(sobretudo analisando as micro e macro relações de exclusão e ocupação
da Cidade do Rio de Janeiro) vão, de certa medida, sendo construídas
pelo acesso (ou não) a essas produções e nas subjetividades (modos de
ser, agir e pensar) que elas constroem.
E pensar consumo,
juventude e relações de mercado é, sobretudo, pensar nas divisões de
classe e de como cada classe é impactada por tais relações. Esse debate
deve considerar os negros e negras que vivem na periferia, em moradias
indignas, em bairros em que serviços públicos e políticas afirmativas
chegaram há menos de 12 anos, em contraste com anos e anos de
marginalização e negação da efetividade de usufruir de direitos básicos
como educação, cultura, alimentação e saúde”.
Quero encerrar essa
primeira reflexão questionando sobre qual é o lugar que encontramos a
juventude negra, pobre e da favela. Qual espaço ocupado por esse jovem
hoje e qual a função social que ele possui? O acesso a cultura, lazer,
educação, moradia, saúde e saneamento básico é de acordo com a sua real
necessidade? Como vive esse jovem adolescente que terá imputada sobre si
uma nova legislação que estará sendo votada no próximo dia 30/06? Onde
ele está?Como ele vive? E como faz para sobreviver? Esses são alguns
caminhos apontados para começarmos a entender O que está em jogo na
nossa luta. Nossa finalidade é ir na contra mão dos que defendem a
redução da maioridade penal.