Por LÚCIO FLÁVIO PINTO - Via blog do autor -
A matéria de capa da última edição Veja é espantosa. Se o
ímpeto da revista não tivesse ido além da Carta ao Leitor, ela teria
feito jornalismo. No espaço onde manifesta sua opinião, a publicação da
Editora Abril diz, sem subterfúgios, que veta o nome do advogado
paranaense Luiz Edson Fachin para ocupar a vaga aberta pela
aposentadoria do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal.
O indicado pela presidente Dilma Rousseff preenche as condições
objetivas exigidas de um pretendente à mais alta corte da justiça no
Brasil , dentre as quais duas – a conduta ilibada e o notório saber –
podem ser apuradas devidamente na sabatina a que o Senado o submeterá na
próxima terça-feira. É o que interessa apurar de um juiz.
Veja, porém, não quer só isso – e justamente para alcançar
um objetivo que está além da formalidade legal, foi adiante da Carta ao
Leitor: estendeu-se pela matéria de capa, cujo texto, expurgado das
ilustrações, mal consegue completar uma página, tão desprovida é de
informações.
A revista instrui os senadores a apurar se o candidato, comunista na
juventude, continua comunista na alta maturidade dos seus 57 anos,
quando manter essa opção ideológica, antes prova de ter coração, se
torna demonstração de falta de cérebro (a revista não aponta a autoria
da boutade do economista inglês John Keynes).
Veja quer que os senadores se invistam na condição de
inquisidores medievais, a extrair do condenado (digo, candidato)
confissões sobre seus pecados de não reconhecer o absolutismo da
propriedade privada, defender a poligamia e ter se definido como cidadão
político ao apoiar a candidatura de Dilma Rousseff à presidência da
república na eleição de 2010. Só se abjurar desses pecados é que ele
poderá sair da sessão senatorial sem a condenação ao quinto dos
infernos.
Cega por seu ódio a pensamentos divergentes, Veja desce ao
subsolo do jornalismo ao abrir o que devia ser uma reportagem citando a
Carta ao Leitor, publicada poucas páginas antes (nunca vi isso em quase
meio século de jornalismo profissional), e seu bloqueiro-guerreiro,
Reinaldo Azevedo, para quem, “por chegar tão carregado de ideologias e
práticas da esquerda radical, talvez o mais correto fosse Luiz Fachin
esperar pelo triunfo da revolução comunista no Brasil e, só então,
pleitear uma vaga no Supremo Tribunal Federal”.
Esse tipo de reportagem, contaminada pela bílis do voluntarismo e da intolerância, é prova de acusação contra Veja e um tiro no coração do que deve ser a bússola na conturbada vida democrática: o uso da razão.



