Por GUSTAVO MEHL - Via Blog do Juca Kfouri -
É difícil explicar o tamanho de um Boca x River para quem só o
conhece de longe. Podemos imaginar um jogo com a rivalidade de um Grenal
e a cobertura midiática de uma final entre Corinthians e Flamengo:
ainda assim, não dá conta.
A Argentina para. Veja bem: a Argentina
para, o país inteiro. Todos os jornais, de todas as cidades, passam a
semana toda noticiando o pré-jogo, depois mais uma semana repercutindo o
resultado. Multiplique por três e você terá o ambiente que por esses
dias se vive no país vizinho: foram três Superclásicos seguidos, um
valendo a liderança do argentino, os dois seguintes de matar ou morrer
na Libertadores, a principal competição do continente. Há um mês que não
se fala em outra coisa.
A suspensão da partida decisiva, ontem,
diante da Bombonera lotada e de milhões de televisores sintonizados, deu
um fôlego ainda maior pra história. Jornalistas hermanos passaram a
madrugada trabalhando e passarão mais alguns dias atarefados. E em ano
de eleições, acontecimentos de tanta visibilidade ganham naturalmente
relevância política.
Em outubro de 2015, os argentinos vão
escolher o novo presidente do país. Em dezembro, os xeneizes escolhem o
novo presidente do Club Atlético Boca Juniors. Pelos cortiços do bairro
de La Boca, há quem afirme que esta última é a eleição mais importante.
Paixões à parte, o que todos sabem é que os dois pleitos guardam íntima
relação entre si. Explico.
Daniel Angelici, o atual presidente do
Boca, é aliado de Mauricio Macri, ex-presidente do clube por mais de dez
anos, atual prefeito de Buenos Aires e pré-candidato da direita
anti-kirchnerista à presidência da Argentina. O gás de pimenta que
queimou os jogadores do River Plate pode queimar também a reputação do
mandatário do Boca e, por consequência, do prefeito da capital.
Quem
sabe disso muito bem são os kirchneristas. Assim que acabou a partida, o
Ministro do Interior e dos Transportes, Florencio Randazzo,
pré-candidato a presidência apoiado por Cristina, estava ao vivo num
programa da TV Pública condenando a violência de maneira um tanto
oportunista: “É uma vergonha, é indignante. Há dirigentes que não
entendem que deve-se erradicar a violência, mais que a violência, a
delinquência”, disse.
As críticas a Angelici também tomaram a
internet. O presidente do Boca não foi visto no campo de jogo durante a
paralisação – fugindo à exposição?.. – mas na rede digital alcançou
rapidamente os trending topics do twitter graças às mensagens de
torcedores que o responsabilizaram pelo incidente. Muitos dos
internautas denunciavam ainda uma suposta blindagem a Angelici feita por
jornalistas dos meios reconhecidamente opositores ao governo de
Cristina Kirchner, como o Clarín e o La Nación. A transmissão da Fox
Sports não foi poupada: “É comovedora a maneira que Niembro
(comentarista do canal) evita citar o nome de Angelici. Lealdade antes
de tudo”, afirmou um internauta. “Se o narrador e o comentarista citam o
nome de Angelici, lhes tiram do ar”, escreveu o jornalista Flavio
Azzaro.
Mas no meio do turbilhão, há os que acreditam que o vexame
da Bombonera pode servir a alguns planos de Angelici e Macri. Um par de
anos atrás, a presidência de Angelici apresentou uma proposta no mínimo
polêmica: a construção de um novo estádio, com maior capacidade de
público, e a demolição da mítica Bombonera. Trata-se de uma empreitada
que movimentaria caminhões de dinheiro, como nós brasileiros bem podemos
imaginar. Paralelo a isso, Angelici colocou em prática um plano de
associados que impossibilita o ingresso de não-sócios às partidas e que é
criticado por seu caráter “elitizador”.
O projeto de novo
estádio, a demolição do antigo e a elitização da torcida xeneize são
ideias que certamente ganharão força com o papelão do gás de pimenta no
Boca x River. São, ainda, ideias que se encaixam dentro de um contexto
bastante influenciado pelas políticas da prefeitura.
Guardadas as
devidas proporções, poderíamos dizer que o prefeito Mauricio Macri é uma
espécie de Eduardo Paes misturado com Aécio Neves. Suas reconhecidas
capacidades administrativas e políticas são exaltadas pelos seus
seguidores e o credenciam como o principal nome da oposição ao
Kirchnerismo. Por outro lado, os críticos apontam para sua relação
benevolente com os grandes empresários e denunciam sua postura
autoritária no governo da capital.
De fato, o panorama hoje em
Buenos Aires é bastante favorável à especulação imobiliária, às
corporações transnacionais, às construtoras. No bairro da Boca, por
exemplo, o aumento do custo de vida para os moradores se contrapõe a
perspectivas de oportunidades de ouro para o mercado imobiliário – por
exemplo, no terreno em que hoje está o templo do futebol chamado de La
Bombonera. Mas os projetos de Macri e Angelici sofrem resistência. Pelos
muros do bairro de La Boca, por exemplo, esta resistência grita. “De la
Bombonera no nos vamos! Boca es pueblo!”, é o que se lê em toda
esquina.
Os desfechos de todas estas disputas ainda não são
previsíveis. No meio do caminho, serão muitas as jogadas, dentro e fora
de campo, dos dois lados do alambrado. Quem falou que seria simples? A
política em Buenos Aires é um eterno Boca x River.
*Gustavo Mehl é jornalista, brasileiro, vivendo em Buenos Aires.



