ANDRÉ BARROS -
Da época do pito do pango, em meados de 1830, até os dias de hoje,
pouca coisa mudou no que se refere ao tratamento dado pela polícia aos
que queimam sua erva. Prova disso foi o efetivo exagerado e vestido para
a Guerra que acompanhou – bem de perto – a Marcha da Maconha do Rio de
Janeiro. Entenda um pouco mais sobre esta relação histórica em mais um
texto do advogado da Marcha, mestre em ciência penais, Secretário-Geral da Comissão de Direitos
Humanos da OAB/RJ, membro da Comissão de Direito Penal do Instituto dos
Advogados Brasileiros, ativista e colaboradora aqui, Dr. André Barros.
Em primeiro de janeiro de 1942, entrou em vigor a Lei das
Contravenções Penais, que ainda vigora em quase sua totalidade. Bem
emblemático para a história da repressão no Brasil é o capítulo das
contravenções relativas à polícia de costumes, onde estão inseridas as
condutas de vadiagem, mendicância, embriaguez, jogos do bicho e de azar.
Mais emblemática ainda é a contravenção de vadiagem: “Art. 59.
Entregar-se alguem habitualmente à ociosidade, sendo válido para o
trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de
subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação
ilícita:”. As maiores vítimas destas condutas eram os negros,
desempregados e sem terra, eles eram presos pelo simples fato de que não
tinham dinheiro. Enquanto privilegiados, que não trabalhavam, não eram
presos, porque tinham dinheiro nos bolsos.
Essas leis da polícia de costumes vigoraram desde as Ordenações
Filipinas e o Código Criminal do Império de 1830. Toda a cultura negra
sempre foi perseguida pela polícia de costumes e os maconheiros, mesmo
sem estar claramente apontados na lei, eram enquadrados na vadiagem,
capoeiragem e até no § 7º da lei de posturas do município do Rio de
Janeiro de 1830 , que sancionava com três dias de cadeia os escravos que
consumissem o pito do pango, mais um dos nomes dados à maconha.
Em 1º de janeiro de 1942, também entrou em vigor o Código Penal que,
em seu artigo 281, criminalizava a conduta de trazer consigo substância
entorpecente. Leis anteriores já criminalizavam a maconha, mas essa traz
expressamente a conduta que criminaliza os maconheiros.
A polícia no Brasil, formada pelos antigos capitães do mato, desde
suas raízes, tem como uma de suas principais funções ser uma polícia de
repressão de costumes, dentre esses, o hábito de fumar maconha. Como a
fumaça traz o forte cheiro da erva, maconheiros e maconheiras sempre
foram alvos fáceis e quando pegos sempre foram e ainda são esculachados,
quando não são presos ou assassinados.
Com toda essa histórica repressão aos maconheiros e maconheiras, os
setores da repressão não se conformam com as decisões, unânimes, do
Supremo Tribunal Federal que garantem as marchas da maconha em todo o
Brasil, nas ações de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 187 e
Direta de Inconstitucionalidade nº 4274.
O efetivo de polícias encaminhado à Marcha da Maconha do Rio de Janeiro
neste ano, além de ser desnecessário, carrega toda a história de uma
polícia meramente de costumes combinada com a herança da ditadura
militar. Período este em que direitos, leis e tribunais não existiam,
onde qualquer pessoa era presa por um encarregado da polícia sem
flagrante ou ordem judicial.
O efetivo de mais de 100 policiais, uniformizados como se fossem para
uma guerra, foi um desrespeito às decisões da Suprema Corte e às
constituições federal e estadual. Esse enorme efetivo ficou na Marcha da Maconha
inteira como se os policiais fossem guardas de trânsito, empurrando,
com repressão, a Marcha para a ciclovia e liberando três pistas para
passarem automóveis pela pouco movimentada avenida Vieira Souto.
Acompanhando pessoas da paz, que cantavam e caminhavam calmamente,
lideradas por mães e crianças que necessitam de maconha para fins
medicinais. Foi um espetáculo de desperdício de serviço público.



