HELIO FERNANDES - Via blog do autor -
O Ministro da Justiça não podia nem devia receber advogados dos
corruptos e corruptores indiciados na Lava-jato. Errou na ação e na
complicação. Sua afirmação: “Vou recebê-los sempre, só na ditadura isso não se
admite”. Como estava na contramão da ética e da autenticidade, insistiu.
E aí sua situação ficou insustentável, indefensável: mesmo que tivesse
todos os advogados do seu lado. Pois o que afirmou é irreversível e justificava
a imediata demissão: garantiu, numa frase o futuro da acusação: “Seus clientes
serão libertados muito mais rápido do que vocês mesmos imaginam”.
Com isso usaram uma autoridade sem poder, e o Ministro se aproximou
perigosamente da mistificação. Pois não tem uma possibilidade em um milhão de
influir na libertação dos corruptos e corruptores presos.
Agora a interferência dos advogados. Têm a obrigação incontestável de
fazer quase o impossível em nome e no direito dos clientes. Só não podem
praticar o desperdício de tempo e de recursos, “apelando” para o Ministro da
Justiça. Que não tem nada a ver com o processo.
Na defesa, advogados revelaram apropriadamente e de forma legitima: “Já
apelamos para o Supremo, para a Justiça do Paraná”. Perfeito. O processo, no
Supremo, está “apenso”, que palavra, ao Ministro Zavaski.
Portanto recorrer a ele, contestar fatos, nenhuma reprovação. E a
Justiça Federal do Paraná, (Sergio Moro) é que comanda a ação, “até que outro
poder mais alto se alevante”. Que não será de modo algum o Ministro da Justiça.
Se nem a presidente conseguiu sequer receber informações (sigilosas) sobre a
ação, por que um simples ministro demissível, poderia?
Agora, para terminar, lições de suposta hierarquia, para os advogados,
os leitores, menos José Roberto Cardoso, que conhece muito o que cabe a ele e o
que não cabe.
Pode parecer estranho, mas o Ministro da Justiça “não manda” na polícia
Federal. Não nomeia nem o chefe de Policia. Se tiver bom transito com o
presidente, pode indicar um ou dois nomes, o presidente aceita se quiser.
Portanto, nada ver.
O mesmo acontece com a Petrobras e o Ministério de Minas e Energia. O
“japonesinho” Shigeaki Ueki presidia a Petrobras na ditadura, começaram rumores
fortes sobre seu enriquecimento ilícito. Chegaram ao “presidente” Geisel, que,
arrogante tirou Ueki da Petrobras colocou no Ministério das Minas e Energia.
Há mais de 30 anos vive majestosamente rico no Texas mais rico do que os
Bush, em petróleo. Os dois ex-presidentes dos EUA.
Há mais outro exemplo de divergência diária: Ministro da Fazenda,
presidente do Banco Central, quem manda mais? Nenhum deles, cada um faz o que
quer, numa ação que devia ser conjugada. Mas nem o presidente da Republica pode
ou consegue interferir.
Maria Bethânia, a cantora da Democracia
Extraordinária, grande personagem, merece o que coloquei no titulo. Numa
entrevista ao jornalista Nelson Sá, relembrou os 50 anos de carreira. Cantou
então “Carcará”, um libelo que o público aplaudiu de todas as formas, se
incorporou ao seu dia-a-dia.
“Carcará, mais coragem do que homem/Carcará, pega, mata e come!”.
Carcará e Maria Bethânia se entrelaçaram de tal maneira, que ela mesma. Foi
para a Bahia, ficou um ano, voltou com uma condição: “Não canto mais Carcará”.
E explicou: “Só pediam Carcará, não aguentava mais”.
“Opinião”, vocação contra a ditadura
Ainda em 1965, no mesmo local deslumbrante de civismo e amor pela
Liberdade, o grande combate ostensivo e histórico na destruição do espírito
arbitrário, atrabiliario e autoritário. Millor e Flavio Rangel escreveram,
encenaram e dirigiram o que só poderia receber o titulo que recebeu:
“Liberdade! Liberdade!”.
Emocionante na memória e na participação. Dentro do teatro multidão
entusiasmada. Do lado de fora, outra multidão que não pudera entrar, reprimida
pela violência, presentes mais policiais do que assistentes. O espetáculo
maravilhoso quase não podia seguir, o público chorava e aplaudia.
Flavio Rangel escreveu, dirigiu, comandou também a iluminação que
acendeu as mentes, almas e corações de todos. Lá do alto de uma escada enorme,
Flavio orquestrava tudo, incendiava as luzes um espetáculo para combater a
escuridão. E eu ao seu lado, sempre repórter e combatente.
Agora, 50 anos depois, ninguém lembra de nada do que aconteceu. O
“Carcará” de Maria Bethânia, só foi lembrado por causa dela, e do espírito
indestrutivelmente jornalístico de Nelson Sá.
O “Liberdade! Liberdade!” não ganhou uma linha em jornais, sequer uma
citação na televisão. É que o Millôr e o Flavio não estão mais aí, foram
embora, deixando depois deles apenas o esquecimento. Millor, que eu conheci
desde que tinha 15 meses e ele chegava, é uma ausência não apenas familiar, é
uma perda para sempre.
Flavio Rangel morreu muito moço, na verdade mocissimo, que saudade, que
tristeza, que lembranças. Éramos diários e intransferíveis. Em novembro desse
mesmo 1965, fiz na minha casa a primeira reunião, do que depois se chamaria de
“Frente Ampla”. Convidei alem do Flavio, o Brigadeiro Teixeira, o ex-ministro
Renato Archer, o ex-ministro Wilson Fadul (preso e torturado), o grande editor
Enio Silveira.
Marquei, falei para Lacerda, que já não era mais governador; “Vou reunir
na minha casa, personagens que já foram adversários”. E perguntei: “Você quer
ir?”. Quis saber quem iria, citei os nomes, respondeu: “Vou”. Não falei nada
com ninguém, eram convidados á minha casa. Lacerda jamais se estivera com
nenhum deles.
Um encontro de mais de seis horas, se repetiria uma semana depois, mas 5
ou 6 na casa de um amigo do Enio no Cosme Velho. Todos encantaram com Lacerda e
a recíproca, verdadeira. Geralmente saiamos de madrugada, íamos jantar. Lacerda
foi odiado pelos militares com base nesses encontros.
Numa dessas madrugadas num jantar no bistrô, Lacerda falou, aplaudido
por todos: “Helio, você está obrigado, como participante e jornalista a ser o
Pero Vaz Caminha da Frente Ampla”. No dia seguinte, escrevi o primeiro artigo
sobre o assunto. Riscado, rabiscado, e retaliado pelos generais que chamavam o
“golpe” de “revolução”.
E que ainda nesse ano, 1966, me cassaram, três dias antes da eleição. E
começaram uma perseguição sem fim.
Flavio Rangel iria embora 3 ou 4 anos depois, por que acontecem essas
coisas inesperadas e desesperadas? Pelo menos aproveito os 50 anos para lembrar
do Flavio e da Liberdade que sempre defendeu, e que tantos esqueceram.