CARLOS CHAGAS -
Getúlio Vargas e Costa e Silva foram
ditadores, entre alguns outros. Chegaram ao poder pela força.
Governaram, em certos períodos, discricionariamente. Anularam os poderes
Legislativo e Judiciário, um por meio de decretos-leis e da outorga de
uma Constituição fascista, outro baixando o AI-5 e seguintes. Não
interromperam, e não há como supor que ignorassem, a tortura praticada
contra seus adversários. Ambos utilizaram o comunismo como fantasma para
justificar o arbítrio do poder público.
No entanto… No entanto, os dois inscreveram seus
nomes na galeria dos presidentes da República empenhados no
aprimoramento social e econômico do país, sacrificando suas vidas nesse
altar. Getúlio Vargas, com um tiro no peito para enfrentar e vencer as
forças reacionárias do capital internacional e seus esbirros nacionais.
Eles temiam que depois de estabelecer leis sociais de extrema
profundidade e de romper os laços do subdesenvolvimento com a
implantação da siderurgia e o estímulo à produção industrial, no
primeiro período, Getúlio seguisse adiante, no segundo. Procuraram então
imobilizá-lo para evitar que obtivesse sucesso com a criação da
Petrobras, da Vale do Rio Doce, do BNDE e da Eletrobras. Mais ainda,
queriam impedir que aprofundasse as prerrogativas trabalhistas dobrando o
valor do salário mínimo, estabelecendo a participação dos empregados no
lucro das empresas, o voto do analfabeto, a desapropriação de terras
improdutivas, o décimo-terceiro salário e outras iniciativas. Foi
trágica a reação do velho presidente para não ser humilhado com a
segunda deposição. Deixou uma das mais contundentes denúncias da
conspiração contra o Brasil: a Carta-Testamento. Saiu da vida para
entrar na História, respondendo com sua vitória aos que o imaginavam
derrotado. Ao ódio, retrucou com o perdão. O país convulsionou-se, os
trabalhadores foram para a rua, arrependidos de não o haver respaldado
enquanto vivia e resistia.
De Costa e Silva será bom não esquecer a
Transamazônica, a ponte Rio-Niterói, o financiamento dos metrôs do Rio e
de São Paulo. Prestigiou a indústria nacional e interrompeu a política
de desnacionalização imposta pelo antecessor. Dedicou-se à recuperação
da malha rodoviária, à estabilidade econômica e à interrupção da
política ditada pelos Estados Unidos, com a recusa do envio de tropas
brasileiras para o Viet-Nan. Transformou o sistema de ensino público e
incentivou a pesquisa científica. No final de sua vida, também trágico,
insurgiu-se contra os radicais que o haviam levado a assinar o AI-5,
decidindo acabar com a exceção e o arbítrio. Morreu nessa tentativa,
resistindo aos generais que em seguida implantaram a mais cruel das
ditaduras daquele ciclo. Semanas após o derrame cerebral que o acometeu,
já lúcido, mas sem voz e com poucos movimentos, ouviu de um auxiliar a
pergunta sobre o que pretendia quando, antes de a crise se consumar,
pediu papel e caneta, tentando assinar o nome, sem conseguir. Por
gestos, negou fosse para pagar mais uma prestação do apartamento que
estava comprando. Também negou que era para apostar nas corridas de
cavalo, que apreciava. A pergunta veio certeira: “queria assinar o fim
do AI-5 e a reabertura do Congresso, prevista para dali a uma semana?”
Confirmou a intenção e entrou em pranto convulsivo. Morreu pouco depois.
Já se escreveu não estar o mundo dividido entre
mocinhos e bandidos. Todos temos características de uns e de outros, com
exceção do papa Francisco. O tempo passa e a poeira vai assentando.
Todo esse longo preâmbulo se faz a propósito de duas
aberrações, separadas por mais de cinquenta anos. Nas horas que
antecederam a morte de Getúlio Vargas, seus adversários davam-no como
desmoralizado e já deposto. Assim, no Rio, grupos de alienados pintaram
cartazes de papelão onde se lia “Avenida Castro Alves”, que colaram
sobre as placas da Avenida Presidente Vargas.
Pois agora um energúmeno prefeito de Taquari, terra
natal de Costa e Silva, mandou retirar a estátua em sua homenagem, numa
das praças locais. Tomara que a reponham logo, assim como foram
arrancados os cartazes que pretendiam mudar o nome da Avenida Presidente
Vargas. Até porque, se a moda pegar, não podemos imaginar o que farão
com as estátuas do Lula e de Dilma, daqui a cinquenta anos…