Por CRISTIANO NAVARRO e LUÍS BRASÍLINO - Via Le Monde Diplomatique Brasil -
Utilizadas pelo mercado financeiro para especular e pelas emissoras de
rádio e televisão para nortear sua cobertura, as pesquisas têm de fato
influência direta e indireta no resultado das eleições. No entanto, a
interferência ilegítima e nefasta das manipulações, ainda que possível,
não pode ser comprovada.
Astros. Cartas de tarô. Bola de cristal. Jogo de búzios. As sugestões
de um oráculo sobre o que possivelmente vai acontecer podem gerar
expectativas e influenciar diretamente o comportamento da pessoa que o
consulta. As pesquisas eleitorais também projetam cenários, indicam
possibilidades, produzem informação e geram expectativas, porém não
adivinham o futuro, ainda que ajudem a definir seus rumos. Contudo,
diferentemente da previsão dos videntes, nas hipóteses levantadas junto
ao eleitor não há espaço para a interferência do acaso, como uma
tragédia.
Para além de toda a comoção gerada pela trágica morte de sete pessoas, a
queda do avião que carregava o candidato à Presidência da República
pelo Partido Socialista Brasileiro (PSB), Eduardo Campos, ocorrida na
manhã do dia 13 de agosto em Santos (SP), fez desmoronar o esquema de
uma disputa que até então se mostrava consolidada pelos institutos de
pesquisa.
Cinco dias após o acidente aéreo, com Marina Silva ocupando o lugar de
Campos como candidata pelo PSB, o Datafolha indicava que a polarização
entre o Partido dos Trabalhadores (PT), da presidente Dilma Rousseff, e o
Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), do senador Aécio Neves,
deixava de existir.
Mais ainda, no fechamento desta reportagem, os números do Ibope para a
corrida presidencial mostram que o crescimento da candidatura de Marina
diminuiu consideravelmente as chances de Aécio chegar ao segundo turno.
Divulgada no dia 26 de agosto, a sondagem ratificou a tendência de um
segundo turno entre Dilma e Marina, ensaiando assim uma nova polarização
do debate.
Contas, informações e influências
Uma parte do eleitorado ignora essas oscilações e, independentemente
das posições ocupadas pelos políticos nos gráficos dos institutos de
pesquisa, vota de acordo com sua identificação ideológica, programática e
histórica. Já a maioria, além das informações colhidas sobre os
candidatos, ao tomar contato com as projeções passa a fazer contas
escolhendo aquele que tem chances de sair vitorioso ou que tem maior
possibilidade de derrotar o concorrente mais rejeitado.
Para os diretores de dois dos principais
institutos de pesquisa, as tendências captadas junto à população não
são determinantes para o resultado das eleições, mas fazem parte de uma
soma complexa de referências que se traduzem no voto.
Mauro Paulino, diretor do Datafolha, enxerga as pesquisas como um dado
importante na escolha do eleitor. “Vejo pesquisa eleitoral como
informação; ela permite que o eleitor saiba qual é o cenário atual,
tomando decisões baseadas nessa informação e em outras dadas pelas
campanhas, pelo noticiário e na conversa com amigos e parentes. Esse
conjunto faz que o eleitor elabore seu voto. Nesse sentido, a pesquisa
entra como um fator de influência.” Na opinião de Paulino, a influência
das pesquisas tem pesos diferentes entre os distintos perfis de
eleitores. “Há uma pequena parcela que gosta de votar no candidato mais
bem colocado. Há outra que prefere votar contra aquele candidato que
mais rejeita.”
Marcos Coimbra, diretor do Vox Populi, considera o debate sobre o peso
das pesquisas um tema polêmico. “Muito provavelmente não existe uma só
resposta a essa questão. O que parece estar mais perto de ser verdade é
que ela exerce uma influência em uma parcela do eleitorado. Mas tudo
indica que é de tamanho insuficiente para fazer diferença, assim como
outras informações”, minimiza. Coimbra acredita que se as pesquisas
fossem determinantes para o eleitorado não haveria possibilidade de
transformação dos quadros apresentados durante o período de campanha. “A
demonstração de que não são determinantes é que as pesquisas mostram
mudanças. Se elas influenciassem de maneira tão importante o eleitorado,
em princípio elas tenderiam a se reproduzir. Assim, se o leitor viu uma
pesquisa e tomou uma decisão, a próxima já estaria igual”, argumenta.
Rudá Ricci, sociólogo e doutor em Ciências Sociais, identifica um
impacto indireto das pesquisas no resultado eleitoral. “Converso quase
diariamente com todos os tipos de coordenação de campanha, da Rede, do
PSB, da Dilma e dos tucanos. Elas fazem trackingquase
diariamente e levam em consideração, de fato, as pesquisas do Ibope e do
Datafolha. O que ocorre é que as coordenações ficam numa pressão tão
alta que isso transparece tensão para a militância e cria uma cadeia. O
eleitor da ponta demora muito mais a perceber essa onda, mas ela chega
até ele.” Por um lado, essa “onda” pode estimular uma candidatura em
ascensão, como a de Marina, na medida em que eleitores antipetistas
enxergam nela a possibilidade de derrotar o governo atual. Por outro,
serve para afundar ainda mais a campanha de Aécio, especialmente pelas
perspectivas de segundo turno, no qual tem 35% contra 41% de Dilma,
diante dos 45% de Marina ante 36% de Dilma, segundo Ibope divulgado em
26 de agosto.
Outra possibilidade de as pesquisas
interferirem nas eleições é por meio da manipulação de seus resultados
pelos institutos. Contudo, isso não pode ser comprovado antes das
eleições e, nas últimas três disputas presidenciais, as estimativas
divulgadas pelo Ibope e pelo Datafolha no dia da votação coincidiram com
o aferido nas urnas. Ricci, no entanto, afirma que as pesquisas podem,
sim, ser manipuladas. Uma das formas é fazer a sondagem por telefone,
excluindo da amostra parte da população mais pobre. Um segundo mecanismo
é conferir mais peso a uma ou outra região. Segundo Ricci, 60% dos
entrevistados do Datafolha e do Ibope moram no Sudeste, que abriga 43%
do eleitorado, ao passo que o principal apoio a Dilma vem do Nordeste. O
sociólogo retoma também uma antiga teoria de Leonel Brizola. De acordo
com ele, os institutos de pesquisa no Brasil sempre usaram a tática da
boca do jacaré. “Eles começavam com a boca bem aberta, distante da
realidade, mas, à medida que ia chegando perto do dia das urnas, eles
iam diminuindo a distância entre a realidade e a boca ia se fechando.”
Por fim, Ricci avalia que é possível manipular o resultado variando os
índices de cada candidato dentro da margem de erro. “Há várias maneiras
metodológicas e técnicas que às vezes não são exatamente má-fé, mas é a
pressa de dar o dado que provoca um desvio. Então há problemas, sim”,
conclui.
Por outro lado, a regulamentação das pesquisas (que hoje permite a
todos os partidos políticos o aferimento de sua metodologia e dos
registros dos entrevistados) e seu nível de acerto muito próximo ao das
urnas apuradas corroboram a fala dos diretores e diminuem a desconfiança
sobre a possibilidade de manipulação por parte dos institutos.
Interpretação
No entanto, se é difícil precisar o peso das pesquisas, alguns
elementos concretos apontam para a influência direta dos institutos nas
eleições. O principal deles, sem dúvida, é a cobertura da mídia. Entre
os diversos veículos de comunicação (rádios, TVs e jornais) que cobrem
as eleições, a utilização das pesquisas eleitorais como parâmetro para o
nível de exposição das candidaturas é a regra.
Um dos casos mais emblemáticos é o critério adotado para a cobertura e
participação em entrevistas e debates da emissora de maior audiência da
televisão brasileira, a TV Globo. As regras da emissora, por exemplo,
excluem o ex-ministro da Saúde e candidato do PT ao governo de São
Paulo, Alexandre Padilha, de sua cobertura diária. O canal exibe, de
segunda a sábado, informações apenas de candidatos que têm intenções de
voto acima de 6%, de acordo com os institutos Ibope e Datafolha. Os
concorrentes com mais de 3% de intenção aparecem nas coberturas duas
vezes por semana com veiculações de um minuto cada, que é o caso do
petista. A coordenação de campanha de Padilha chegou a entrar com um
pedido de liminar no Tribunal Regional Eleitoral (TRE) de São Paulo para
garantir mais tempo de cobertura, mas o pedido foi negado. O mesmo
critério foi questionado na Justiça, entre outros, pela candidata do
Partido Socialismo e Liberdade (Psol) à Presidência, Luciana Genro, que
tenta garantir seu espaço na cobertura diária do jornalismo da emissora.
Apesar de a legislação que dispõe sobre propaganda e condutas ilícitas
em campanha eleitoral nas eleições de 2014 exigir isonomia dos veículos
de comunicação em seu trabalho jornalístico, não existem critérios
objetivos para julgar uma cobertura equânime.
Mercado e política
Outro elemento de influência direta das pesquisas nas eleições ficou
evidenciado no final de julho em um caso envolvendo o Santander. Na
ocasião, após divulgação de pesquisa do Datafolha que apontava empate
técnico no segundo turno entre Dilma e Aécio, o banco espanhol enviou um
comunicado a seus clientes da categoria Select, com renda mensal
superior a R$ 10 mil, informando que o voto na petista poderia trazer
prejuízos financeiros. “Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir
nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a
se desvalorizar, juros longos retomariam a alta e o índice da Bovespa
cairia.” A medida foi criticada por políticos de diferentes partidos, e o
Santander chegou a pedir desculpas pela correspondência.
Mesmo sem grandes oscilações, antes da entrada de Marina na disputa
eleitoral, o mercado financeiro já utilizava as pesquisas para ganhar
dinheiro e tentar influir politicamente. Mauro Paulino, do Datafolha,
credita essas especulações à determinação da Justiça Eleitoral que
ordena o registro das pesquisas cinco dias antes da divulgação de seus
resultados. “Isso dá margem a uma série de especulações, especialmente
no mercado financeiro, inclusive a realização de pesquisas clones.
Quando o Datafolha registra uma sondagem, já há institutos tentando
repetir o mesmo método daquela pesquisa registrada para procurar
antecipar o número a ser divulgado. Esses resultados são vendidos para
instituições financeiras, investidores e especuladores que tentam obter
ganho no mercado de ações”, explica.
Na última pesquisa Datafolha divulgada antes da morte de Eduardo
Campos, o empate técnico no segundo turno entre Dilma e Aécio levou o
índice das ações Ibovespa a subir 3%, e a Petrobras, 4%. Paulino
classifica o crescimento dessas ações como “pura especulação”, “algo que
se assemelha à jogatina de um cassino”. “Milhões de reais entrando no
jogo por conta de números que não justificam esse movimento”, critica.
Exemplo disso é o chamado “efeito
Dilma”, calculado pelo instituto Insper. Até 6 de julho, as oscilações
da candidata petista haviam rendido em 2014 R$ 10,6 bilhões, segundo
índice calculado por meio das oscilações provocadas por pesquisas nas
ações da Petrobras, Banco do Brasil, Eletrobras, Cemig e Cesp.
“Criou-se uma lógica no mercado de que aparentemente um resultado
negativo para Dilma provoca aumento nas ações das estatais. O mercado
criou essa lógica. Algum fundamento político tem, mas eu acho que o que
pesa mais é a especulação, a criação de factoides para ganhar dinheiro”,
comenta Paulino.
Marcos Coimbra, do Vox Populi, entende que o problema da especulação
está em como os resultados das pesquisas são tratados pelos veículos de
comunicação, que “gostam de ter em mãos um resultado espetacular para
fazer manchete, criando o ambiente para a especulação”.
Na visão de Coimbra, uma saída para o fim da especulação e da
espetacularização dos dados seria a adoção do modelo de divulgação do trackingdiário
utilizado em países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, França,
Canadá e Japão. “A melhor maneira de evitar a especulação é ter
informação diária. Eu acredito que não teria objeção na Justiça
Eleitoral, era só chegar e dizer: ‘Olhem, meus amigos, nós vamos acabar
com uma coisa meio antiga que ainda existe; vamos passar para algo mais
útil para o eleitor, que não vai ter sobressaltos; algo que não vai sair
no final no Jornal Nacional, não vai estar cheio de manchetes garrafais, e o eleitor vai estar menos submetido a essa espetacularização’.”
*Cristiano Navarro e Luís Brasilino são editores do Le Monde Diplomatique Brasil. Ilustração: João Montanaro.