29.8.14

REFÉNS DECAPITADOS. NÃO NO IRAQUE, NO BRASIL

IGOR MENDES -

Diariamente somos assaltados com imagens mostrando a brutalidade do chamado Estado islâmico, decapitando reféns e executando pessoas inermes, no Iraque e na Síria. Chama atenção que as atrocidades e crimes de lesa-humanidade praticados pelo Estado de Israel em Gaza, encerrando toda a população em um imenso campo de concentração, praticando o genocídio planejado e consciente, mutilando e exterminando indiscriminadamente crianças, mulheres grávidas e anciãos, não merecem a mesma repulsa e condenação por parte da “comunidade internacional”.

Assistimos, repetidamente e por dias a fio, as cenas realmente chocantes do jornalista norte-americano James Foley, ajoelhado e completamente indefeso, ao lado do carrasco munido de uma faca, com a qual romperia minutos depois sua cabeça. “Que país confuso e atrasado é esse Iraque”, pensaram milhões que assistiram a cena, já que os mesmos noticiários que replicam o fato não se preocupam de maneira alguma em explicar as suas causas - dentre elas o fato de que a agressão imperialista ao Iraque e à Síria mergulhou esses países no caos e numa série de confrontos sectários.

“Que país bárbaro esse, onde carrascos decapitam reféns inermes?”, se choca o cidadão comum.

Ocorre que na mesma semana, na Penitenciária Estadual de Cascavel, no Paraná (que é um dos cinco Estados mais ricos da Federação), dois reféns foram decapitados numa rebelião contra as péssimas condições carcerárias. Não mereceram os dois reféns a mesma comoção e espaço no noticiário que o jornalista norte-americano, embora todas as constituições do chamado “mundo cristão- ocidental” – incluindo a nossa – consagrem que todos os homens nascem livres e iguais.

E então, que país bárbaro é esse, chamado Brasil?

Presos foram decapitados durante motim no presidio de Cascavel
Esse é o país aonde a população carcerária aumentou 403,5% nos últimos 20 anos, ao passo que a população total registrou crescimento de 36%, no mesmo período. País onde, em 2013, 14,1 milhão de famílias (aproximadamente 50 milhões de pessoas, um quarto da população) dependeram do Bolsa Família para sobreviver. País onde 1% dos proprietários fundiários detém 43% das terras agricultáveis, e os 10% mais ricos concentram 50% da renda nacional.

País onde à grande parte de sua população são negados os direitos mais elementares –inclusive o direito à vida, pois a pena de morte existe na prática, à revelia da legalidade, para os mais pobres, e todo mundo sabe disso.

Exatamente por isso esse país chamado Brasil – na verdade, o Estado brasileiro - é obrigado a fazer da expansão das polícias a sua verdadeira política social, e da expansão do sistema penitenciário sua política habitacional por excelência.

Não é esse o Brasil que aparece na televisão, nem na campanha eleitoral, nos programas preparados com esmero pelos marqueteiros. Mas é nessa realidade absurda em que vive, de fato, a grande maioria dos brasileiros.

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E é para esse sistema carcerário desumano para o qual foi mandado Rafael Braga Vieira, negro, morador de rua, preso na passeata de 1 milhão no Rio, a 20/06/2013, portando uma garrafa de pinho-sol – e por isso acusado e condenado por porte de material explosivo. Apesar de toda campanha movida pelos movimentos populares em defesa de sua libertação – campanha que veio tarde mas, enfim, antes tarde do que nunca –não se conseguiu reverter sua condenação, mantida pelo Tribunal de Justiça em sessão no último dia 26/08. 

Triste país esse no qual os juízes assumem, eles próprios, o papel de carrascos.