Via Brasil de Fato -
"A CBF, que deveria ser uma entidade a serviço dos clubes, virou
uma entidade a serviço de si mesma. As federações, que deviam ser
meios, viraram fins. E os clubes acabam se submetendo a isso de maneira
subserviente"
Juca Kfouri é uma referência de jornalismo esportivo comprometido com
os fatos e o crescimento do esporte no Brasil. Tal postura, por si só, o
fez romper com os círculos de poder dos dirigentes. Nesta entrevista,
ele analisa a situação do futebol brasileiro e o futuro após a votação
da Lei de Responsabilidade Fiscal no esporte.
Brasil de Fato – Às
vésperas da votação do Proforte na Câmara, a presidenta Dilma se reuniu
com o Bom Senso numa semana e na outra com os clubes. O que está em
jogo?
Juca Kfouri – Aprovando como os
clubes querem, ao invés de mudar o modelo de gestão do futebol
brasileiro, teremos mais uma maneira de disfarçar os problemas dele.
Eles vão fingir de novo que vão pagar as dívidas e não vão ser
responsabilizados se não pagarem.
A contrapartida a isso é que se
aprove aquilo que o Bom Senso quer: que a cada benefício para os clubes
na renegociação da dívida, haja uma responsabilidade correspondente.
Foi o compromisso que a Dilma assumiu com o Bom Senso.
Brasil de Fato – As
eleições de Belluzzo (Palmeiras), Dinamite (Vasco), Bandeira de Mello
(Flamengo) e Bebeto de Freitas (Botafogo) representavam uma “esperança”.
Por que fracassaram?
O problema estrutural é tão
grande, a estrutura do nosso futebol é tão reacionária, tão corrupta e
corruptora, que a questão não se altera com nomes. As pessoas acabam
tragadas por ela.
Houve uma inversão. A CBF, que deveria ser uma
entidade a serviço dos clubes, virou uma entidade a serviço de si mesma.
As federações, que deviam ser meios, viraram fins. E os clubes acabam
se submetendo a isso de maneira subserviente.
Os clubes deveriam virar sociedades empresariais. Não como na Inglaterra, que permite a um sheik
ou um milionário russo comprar um clube, mas como na Alemanha, que se
garanta 51% para os sócios, permitindo uma gestão profissional.
Brasil de Fato – A
primeira edição da Copa Verde entre clubes do Norte, Centro-Oeste e
Espírito Santo acabou decidida no “tapetão”. O que acha disso?
A
primeira questão é a criação de paliativos. Por exemplo, um bom
paliativo é a Copa do Nordeste, mas dura menos tempo do que deveria.
OSTJD,
como é, vira um instrumento de poder. Ele tem a mesma eficácia da
escala de árbitros, que permanece sob o jugo das entidades. Tanto a
arbitragem como a justiça desportiva deveriam ser instituições
absolutamente independentes das federações e dos clubes. Na verdade, as
federações não fazem mais nenhum sentido, é como jabuticaba, só tem no
Brasil.
Tem que ser como na Copa do Mundo, o chamado rito
sumário. Você tem o regulamento, as faltas, o que equivale a cada falta
em termos de punição e simplesmente se aplica. Não essa palhaçada
bacharelesca que a gente tem aqui. Mas é muito difícil porque faz parte
dessa estrutura podre do nosso futebol.
Brasil de Fato– A
CBF é uma entidade privada, o que dificulta as mudanças. Como
democratizá-la e qual o papel do governo e da sociedade nisso?
O
torcedor, por enquanto, se restringe à questão dos resultados dentro de
campo e a sua indignação não passa disso, porque ele não vê a questão
estrutural.
A CBF é privada, mas de óbvio interesse público. O
futebol é patrimônio cultural do povo brasileiro, submetido à
fiscalização do MP. O hino e as cores do uniforme da seleção não são da
CBF, são do Brasil.
O artigo 217da CF, que fala da autonomia das
entidades, é o escudo que a CBF usa por não usar dinheiro público,
diferentemente dos esportes olímpicos. Há uma decisão do STF, aprovada
por unanimidade, no sentido de que autonomia não equivale à soberania. A
universidade pública no Brasil é autônoma, e deve ser, mas isso não dá a
uma faculdade o direito de estabelecer o currículo que ela queira. Quem
estabelece é o Ministério da Educação.
A autonomia deveria ter
este limite. Não tem porque estamos no país dos bacharéis que gostam da
ambiguidade e quando as entidades se defendem falando em nome da
autonomia, boa parte dos juízes desconhece essa decisão da STF. Então o
caminho é uma PEC, que o governo deveria propor para eliminar essa
dúvida.
Brasil de Fato – Dunga
estaria envolvido com agenciamento de atletas e Gilmar era empresário
até a noite anterior ao anúncio de seu cargo. O que aponta a CBF com
essas nomeações?
O passadismo, a mercantilização, a
pouca transparência... A pouca vergonha, ela é responsável por
transformar a seleção na grande grife do nosso futebol, em detrimento
dos clubes. Sou de uma época em que uma excursão do Santos era paga com
valores comparáveis a um amistoso da seleção.
O calendário impede
os nossos clubes de jogarem durante o período de pré-temporada na
Europa. Ela vende a sua camisa em todas as lojas esportivas do mundo e
você não encontra uma camisa de clube brasileiro nelas. Essa é uma
política deliberada de uma entidade que vê o nosso futebol como mero
exportador de pé de obra. Não exportarmos o espetáculo, mas os artistas.