Por PEDRO ESTEVAM DA ROCHA POMAR - Via Rede Democrática -
Não é possível que em pleno século 21 a Ditadura Militar prossiga tutelando a sociedade brasileira. Não é admissível que generais continuem asfixiando a democracia brasileira. Não é razoável que chefes militares continuem zombando da luta por memória, verdade e justiça sem que sejam punidos. O que está em jogo é a democracia e o futuro do Brasil, simples assim. Os militares só entendem a linguagem da hierarquia. Dilma, reafirme a soberania popular: demita Enzo. |
Diz o provérbio que o uso do cachimbo
deixa a boca torta. Durante a Ditadura Militar, os generais
habituaram-se a dar ordens aos civis. Oficialmente encerrado o regime
militar, porém mantidas no conforto da impunidade todas as patentes
envolvidas com os crimes cometidos, do pé ao topo da hierarquia (de cabo
a general de Exército, de taifeiro a tenente-brigadeiro, de marujo a
almirante-de-esquadra), eles mantiveram o hábito de mandar e desmandar
nos paisanos, de situarem-se acima da sociedade, de ignorarem
acintosamente os direitos e normas constitucionais.
Trinta anos depois, tudo como dantes no quartel de Abrantes.
O general Enzo Peri, comandante do
Exército, acaba de afrontar os poderes civis da República, aos quais
deve obediência (só que não). O general encaminhou a todas as unidades
do Exército uma ordem ilegal, segundo a qual nenhuma delas deve fornecer
informações requisitadas por órgãos como o Ministério Público Federal
(MPF) ou outros interessados, cabendo exclusivamente ao gabinete do
comandante decidir sobre as respostas.
Portanto, o general Enzo está zombando
do ordenamento jurídico, que dá ao MPF a prerrogativa de investigar, e
está zombando dos brasileiros, incluída a comandante em chefe das Forças
Armadas, a presidenta da República, que sancionou a lei que criou a
Comissão Nacional da Verdade (CNV). Mas há um agravante nessa história. É
que Enzo é reincidente. Ele seguiu na trilha aberta por seu antecessor,
o general Francisco Albuquerque, de quem falaremos adiante.
Por que digo que Enzo é reincidente?
Porque, ainda no governo Lula, ele foi um dos pivôs de uma grave crise
política, em 2009, ao acompanhar o tresloucado ministro Nelson Jobim, da
Defesa, num verdadeiro motim contra o Programa Nacional de Direitos
Humanos (PNDH-3). Jobim e os comandantes militares ameaçaram demitir-se
caso o presidente não alterasse o PNDH-3, retirando dele modestos
avanços democráticos ali contidos, relacionados à revogação da Lei da
Anistia e investigação dos crimes da Ditadura Militar. Em vez de demitir
imediatamente os amotinados, Lula cedeu à chantagem e preferiu mutilar o
PNDH-3.
Já no governo Dilma, mantido no cargo
apesar da rebelião antidemocrática que encabeçou, Enzo manteve-se na
linha da resistência ativa à CNV e às políticas de direitos humanos da
Presidência. Deu suporte às seguidas negativas e embaraços criados aos
pedidos de documentos feitos pela CNV às Forças Armadas. Mais
recentemente, passou da resistência dissimulada ao escárnio, ao
endossar, como comandante do Exército, os debochados resultados da
“sindicância” realizada a pedido da CNV a respeito das instalações
militares que sabidamente abrigaram aparatos de tortura e execução de
presos políticos durante a Ditadura Militar.
Portanto, Enzo reincidiu diversas vezes.
Devemos nos perguntar: como é possível tal atrevimento? Por onde anda o
ministro da Defesa, Celso Amorim? Tornou-se um fantoche nas mãos dos
comandantes militares?
Uma explicação possível para esse estado
de coisas é que, por ocuparem seus cargos desde 2007 (portanto, há
quase dois mandatos presidenciais, como bem observou o jornalista Luiz
Cláudio Cunha), e tendo sido recompensados por seu motim antiPNDH-3,
Enzo e seus colegas passaram a julgar-se intocáveis. Inspiram-se,
igualmente, em outro exemplo profundamente negativo para a democracia
brasileira, a seguir relatado.
O general Albuquerque, já citado, é
aquele que, dando ordens de prisão a funcionários do aeroporto de
Viracopos, mandou parar um jato da TAM lotado em plena pista de
decolagem, em março de 2006, para que ele próprio e sua esposa,
atrasados, pudessem embarcar, depois que dois passageiros foram
convencidos a ceder seus assentos ao casal.
Pior ainda: é aquele que autorizou o
Centro de Comunicação Social do Exército (Cecomsex) a emitir uma nota
ultrajante a propósito da memória de Vladimir Herzog, quando da
descoberta, em 2004, de uma fotografia que se pensava ser do jornalista
assassinado no II Exército em 1975. O então ministro da Defesa, José
Viegas, um diplomata dotado de tutano, sugeriu a Lula a demissão de
Albuquerque. Lula preferiu demitir Viegas. Os generais exultaram. Foi
essa a escola que produziu os Enzos.
Tem toda razão Luiz Cláudio Cunha, com a
autoridade de quem revelou a presença da abjeta Operação Condor no
Brasil e continua produzindo indispensáveis reportagens contra as
atrocidades do regime militar, quando exorta a presidenta Dilma Rousseff
a demitir o general Enzo Peri.
Não
é possível que em pleno século 21 a Ditadura Militar prossiga tutelando
a sociedade brasileira. Não é admissível que generais continuem
asfixiando a democracia brasileira. Não é razoável que chefes militares
continuem zombando da luta por memória, verdade e justiça sem que sejam
punidos. O que está em jogo é a democracia e o futuro do Brasil, simples
assim. Os militares só entendem a linguagem da hierarquia. Dilma,
reafirme a soberania popular: demita Enzo.