Via MÍDIA Democrática -
Os setores político-empresariais que deram sustentação à ditadura
fizeram, a partir de 1979, um chamado ao conjunto das organizações
sociais e políticas brasileiras a firmar um pacto social. As
organizações da classe trabalhadora do campo e da cidade disseram um
rotundo “não” a essa chamado. Quando das eleições indiretas pelo colégio
eleitoral a CUT dizia o seguinte: “Temos que exigir que as diretas
sejam marcadas Já. Temos que repudiar o Colégio Eleitoral”. O MST diante
do caráter reacionário da Constituinte em relação à questão agrária,
dizia: “transformar em carvão a constituição”.
O pacto social era denunciado como a realização da tese do general
Geisel para a transição política no Brasil, que segundo ele deveria ser
lenta, gradual e segura. Segura, por óbvio, para as classes dominantes.
A estabilização neoliberal, ainda no governo Itamar, marcou o início de
um longo refluxo das lutas sociais, de reunificação dos setores da
burguesia e da consequente hegemonia ideológica, econômica e política
das classes dominantes. Duas derrotas sucessivas para FHC não deixaram o
projeto democrático e popular ilesos. Mas até dezembro de 2001, o
Partido dos Trabalhadores defendia uma crítica ao regime político e
econômico, mesmo que de forma tímida.
A Carta ao Povo Brasileiro, em junho de 2002, modifica essa aposta. Ali
dizia claramente que a mudança de modelo “será fruto de uma ampla
negociação nacional, que deve conduzir a uma autêntica aliança pelo
país, a um novo contrato social, capaz de assegurar o crescimento com
estabilidade” e completava:
“Premissa dessa transição será naturalmente o
respeito aos contratos e obrigações do país”. Tratou-se de uma virada
programática histórica e resultou também em uma histórica vitória
eleitoral. Mas há alguém que não reconheça que a parte mais
significativa da burguesia e boa parte da direita política (Sarneys,
Calheiros, Kassabs) conquistaram um espaço crescente nesses governos?
Simbolizado pelo entrelaçamento de dedos do Lula construiu-se um pacto
pró-capitalista. A ideia de que a acumulação e expansão do capital pode
gerar benefícios para as classes subalternizadas. O aumento real do
salário-mínimo, por exemplo, é uma vitrine desse ideário.
A questão que se coloca é: estamos conformados com o pacto social? Ou é
chegada a hora de avançar para romper com ele, nos apoiar na mobilização
social e fazer as mudanças estruturais que rompam com a estrutura
desigual e patrimonialista do Brasil? Fazer reforma agrária, auditoria
da dívida pública, reforma urbana, retomar o controle público sobre as
reservas de petróleo e minerais, taxar as grandes fortunas…?
Antonio Gramsci afirmava que a escolha baseada na opção pelo menos pior
nos leva a capitular aos poucos e não de uma só vez. Walter Benjamin
afirma que “cada época deve tentar arrancar a tradição da esfera do
conformismo que tenta dominá-la”.
Nas eleições 2014 devemos atuar em torno da polarização das candidaturas
pró-capitalistas representados pelos 3 projetos majoritários nas
pesquisas (Dilma, Aécio, Campos)? Ou sinalizar para as gerações que
irrompem a conjuntura com marchas e greves que, para construir uma
sociedade com avanços reais e permanentes para os de baixo, é necessário
romper com os de cima e construir um governo de mobilização popular,
com ampliação da democracia e com um ataque concreto à concentração
patrimonial e de renda?
Nada mais pernicioso diante do evidente ascenso das lutas sociais do que
a disseminação do conformismo. Nada mais contraproducente para a
construção de uma nova sociedade do que afirmar a inevitabilidade da
velha sociedade. Nada mais decepcionante para os que almejam a
transformação social do que supostos socialistas que defendem a ordem do
capital.
*Texto de Carlos Bittencourt, historiador e militante da Insurgência do PSoL.