Via Agência Pública -
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| A saga do Mané Garrincha, o estádio mais caro da Copa, também significa a frustração de reivindicações por moradia em Brasília. |
Se, de uma maneira geral, a Copa do
Mundo no Brasil ficará marcada por recursos mal gastos, superfaturamento
de obras e oportunidades de legado desperdiçadas, a cidade de Brasília
pode ser considerada a capital do país também sob esses pontos de vista.
Em números absolutos o Mané Garrincha, como é mais conhecido, foi o
mais caro estádio da Copa e um dos mais custosos entre todos já
construídos na história do futebol.
Gastou-se até agora cerca de
R$ 1,4 bilhão, integralmente pagos com dinheiro público. Para complicar,
sua construção foi permeada por decisões equivocadas do governo local
com consequências no mínimo questionáveis para os cidadãos e para o
patrimônio do Distrito Federal.
Para entender essa história,
precisa-se voltar à gestão do então governador José Roberto Arruda, que
chegou a ser preso e teve de sair do cargo antes do fim de seu mandato,
após a revelação de um esquema de pagamentos ilegais a parlamentares de
sua base de apoio, o que ficou nacionalmente conhecido como o Mensalão
do DEM. Antes disso acontecer, no entanto, o governador Arruda teve uma
ideia que, anunciada à época, até parecia fazer sentido.
Escolhida
como cidade-sede da Copa, Brasília deveria construir um novo estádio,
no lugar do antigo e acanhado Mané Garrincha. Para que não precisasse
recorrer a financiamentos bancários ou deixar a arena nas mãos de
empresas privadas, o então governador decidiu levantar recursos através
da venda de uma grande área verde da Terracap, empresa pública
responsável por administrar as terras do Distrito Federal. O dinheiro do
negócio iria para o estádio e essa área verde, localizada entre o
Estádio e um dos principais shopping centers da cidade, seria utilizada
na ampliação da rede hoteleira da cidade, necessária para receber um
evento de grande porte.
Mas logo os problemas começaram a
aparecer. Brasília é uma cidade planejada e tombada pela Unesco, com um
Plano Diretor extremamente rigoroso. E, segundo esse plano, a área em
negociação, cujo endereço é a quadra 901 Norte, não poderia receber
empreendimentos comerciais. Manifestações públicas contra a venda do
terreno começaram a ser organizadas, encabeçadas pelo movimento
“Urbanistas por Brasilia”. Eles produziram um manifesto com mais de 130
assinaturas de profissionais da área, criticando duramente a negociação.
No fim de 2011, o Iphan (Instituto do Patrimônio Hitórico e Artístico
Nacional) emitiu parecer contrário à venda do terreno.
No ano
seguinte, no entanto, já no governo do petista Agnelo Queiroz, tentou-se
novamente negociar a área, incluindo no Plano de Preservação do
Conjunto Urbanístico elaborado naquele ano a possibilidade de construção
de hotéis na área. Em maio de 2012, porém, a Vara do Meio Ambiente e
Assuntos Fundiários do DF decidiu que o governo do DF e a Terracap não
poderiam fazer obras que alterassem os parâmetros urbanísticos de uso ou
de gabarito da quadra 901.
Comprometido em construir o estádio e
disposto a torná-lo palco da abertura da Copa do Mundo (o que acabou não
acontecendo), o governo não poderia voltar atrás. A construção do novo
Mané Garrincha já estava sob a responsabilidade da Terracap,
proprietária do estádio desde março de 2011, que precisou abrir o cofre e
se desfazer de patrimônio para garantir o término da obra. Um documento
do Conselho Fiscal da Terracap (veja abaixo) relativo ao primeiro
trimestre do ano passado apontou “forte redução de disponibilidade de
caixa na ordem de 80% relativo ao mesmo período de 2012. Em março de
2013, a empresa possuía apenas R$ 45 milhões de disponibilidade frente a
um passivo de R$ 929 milhões”.
Também registrou as vendas de
terrenos para bancar o estádio: “Em março de 2013, a Terracap apurou um
lucro lquido de R$ 335 milhões, enquanto que no mesmo período de 2012
tinha apurado um prejuízo de R$ 55 milhões. Este lucro em 2013 é fruto
da fonte de venda de imóveis, ressalta-se que esses recursos estão sendo
aplicados totalmente na obras o Estádio Nacional de Brasília — Mané
Garrincha”.
“Entretanto, como o Estádio está sendo cedido
gratuitamente para exploração pelo Governo’do Distrito Federal, não está
sendo gerada receita para recuperação deste investimento. Neste
sentido, de acordo com as práticas contáveis de avaliação a ‘valor
justo’ este estádio deverá ser baixado como perda, o que provocará um
prejuízo considerável para a Terracap”, diz o documento.
Movimentos sociais de Brasília afirmam que isso teve impacto direto na política habitacional do DF. Reportagem da BBC Brasil publicada no dia 29 de maio apresentou
críticas do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto) em relação à
venda dos terrenos, por contribuir para a especulação imobiliária local.
De
acordo com a Fundação João Pinheiro, que estuda problemas de moradia no
país, o deficit habitacional no Distrito Federal atinge 16% dos
domicílios, enquanto no país como um todo a taxa é de 9%.
“Nós não
somos contra a Copa, somos contra a utilização do evento para realizar
uma verdadeira transferência de renda às avessas. O DF possui hoje um
déficit habitacional de mais de 200 mil famílias, mas, em vez de usar
terras públicas para isso, o governo preferiu vendê-las para a
construção do Estádio”, disse à Agência Pública Raphael Sebba, membro do
Comitê Popular da Copa, grupo que vem realizando uma série de
manifestações, em todo o Brasil, contra o desperdício de recursos
públicos.
Além de administrar as terras do Distrito Federal, cabe
também à Terracap promover melhorias sociais e econômicas para a capital
do Brasil. Seu dinheiro, em última análise, deve, inclusive, ser
destinado à construção de escolas, conforme ponto destacado no próprio
site da instituição: “a Terracap repassa ao GDF os recursos financeiros
necessários para a construção de escolas públicas nas diversas regiões
administrativas do Distrito Federal”.
Superfaturamento
Mas
a polêmica sobre os gastos públicos não termina por aí em Brasília. Não
bastasse o financiamento 100% público do Estádio, o TC-DF (Tribunal de
Contas do Distrito Federal) encontrou indícios de um superfaturamento de
R$ 431 milhões. As comparações também impressionam. A Arena Grêmio, por
exemplo, estádio do time gaúcho construído com capital totalmente
privado com capacidade para 60 mil pessoas, custou pouco menos de R$ 500
milhões, quase três vezes menos que o Mané Garrincha, onde cabem 72 mil
espectadores.
A estatal explica que o estádio está cedido ao GDF,
mas não de forma gratuita. “Pelo prazo de quatorze meses de cessão, o
GDF repassará à Terracap a importância de R$ 28 milhões”. Argumenta
também que“iniciou um estudo para identificar um modelo de negócio que
melhor se adeque ao Estádio Nacional Mané Garrincha”.A Agência Pública
procurou a Terracap para saber quais são os planos de recuperar os
recursos investidos no Estádio. De acordo com a assessoria de imprensa,
“a Terracap ainda não recebeu a obra “Estádio Nacional de Mané
Garrincha”, por essa razão, a construção está registrada no Balanço
Patrimonial na conta “Ativo Imobilizado”. Tão logo a obra seja entregue à
Terracap, esta será registrada no Balanço Patrimonial à
conta‘Investimento’”. Em outras palavras, a Estatal diz que assim que
isso acontecer, o Estádio não será mais contabilizado como prejuízo.
Esse
desafio não é dos mais fáceis. Sem nenhum time expressivo, até agora o
estádio recebeu partidas de clubes de outros Estados, além da promoção
de eventos musicais com atrações internacionais.



