Por ALBERTO DINES - Via Observatório da Imprensa -
Criada em 1992 por James Carville, estrategista da campanha de Bill
Clinton, a expressão “It’s the economy, stupid” servia como lema interno
dos apoiadores do quase desconhecido candidato democrata que enfrentava
o presidente republicano George H. W. Bush responsabilizado pela
recessão daqueles tempos.
Deu certo: o apelo logo se tornou slogan da campanha que levou Clinton à
Casa Branca, popularizou-se e hoje, apesar da entonação grosseira, a
palavra de ordem vale para qualquer situação em que seja necessário
realçar algo crucial.
Na terça-feira (4/11) o Axioma Carville travou, deixou de ser
infalível. Os Estados Unidos se recuperam lenta e firmemente do estouro
da bolha imobiliária que produziu em 2008 a maior crise econômica desde o
fim dos anos 1920 com vastas e dramáticas implicações globais.
Desemprego e déficit caíram pela metade, diminui rapidamente a
intervenção federal em empresas, bancos e no próprio sistema financeiro.
A economia oferece repetidos e inequívocos sinais de recuperação, o que
não impediu que o democrata Barack Obama sofresse uma surra histórica:
os republicanos aumentaram o controle sobre a Câmara de Representantes e
tomaram dos democratas a maioria do Senado. Sem o suporte legislativo,
Obama terá que recorrer ao limitado e vulnerável arsenal de ações
executivas e, principalmente, negociar com a oposição.
Sozinha na raia
Eleições intermediárias funcionam como um implacável e paradoxal
referendo: por um lado, favorecem as abstenções (na terça-feira, dois
terços do eleitorado não votou), enquanto o partido do ocupante da Casa
Branca quase sempre sai estraçalhado. O pêndulo vingador já encostou na
parede campeões de voto à esquerda e à direita: Ronald Reagan, Bill
Clinton e George W. Bush. Porém, a maldição do segundo mandato foi mais
arrasadora com Obama graças a um trinômio de singularidades: é negro, é
progressista, é um político coerente com seus princípios.
As minorias ficaram em casa enquanto a maioria antiobamista descarregou
nas urnas os seus diferentes ressentimentos contra aquele que
consideram vacilante: os belicistas que exigem um enfrentamento com o
ditador sírio Bashar Assad, com Vladimir Putin e um maior envolvimento
no combate às milícias do califado, juntaram-se aos que não admitem
qualquer reparo da Casa Branca à insana intransigência de Israel no
tocante à criação de um Estado palestino.
A eles se agregam os que abominam qualquer preponderância do Estado –
seja para oferecer assistência médica universal, controlar a venda de
armas ou proteger o meio ambiente das crescentes agressões da indústria
desregulada. Não admitem qualquer atenuação do boicote a Cuba e chegam
ao absurdo de acusar Obama de ser soft on ebola (brando com os
suspeitos de contaminação pela peste). Não tiveram coragem de manifestar
seu arraigado racismo nas presidenciais de 2008 e 2012, mas não gostam
do rigor do primeiro presidente negro diante dos excessos da repressão
policial contra protestos de afro-americanos e latinos.
Os diferentes alinhamentos direitistas americanos se associaram para
derrotar um presidente que procura conciliar sua atuação com suas
crenças e convicções. Venceram-no e, diante da dimensão da façanha,
resolveram humilhá-lo. A capa do tabloide New York Post, no dia seguinte ao pleito, teve o mérito de lembrar que o “jornalismo amarelo” (no Brasil é marrom) é made in USA.
O presidente Obama tornou-se para os americanos fanatizados pelo
mercado e pelo individualismo, assim como para os assanhados direitistas
do resto do mundo, a encarnação de um Estado solidário, garantidor da
igualdade de direitos, de oportunidades e de bem-estar. Em outras
palavras: comunista.
O pavor de ser considerado “de esquerda” é tão forte que nas recentes
eleições brasileiras, o candidato Aécio Neves, do Partido da Social
Democracia Brasileira (PSDB), procurou apagar a sua imagem de
socialdemocrata moderado preferindo ser tachado de neoliberal,
monetarista, conservador.
Ao contrário do que acreditava Carville, o preocupante desempenho da
economia não chegou a derrotar a candidata-presidente, Dilma Rousseff.
Porém os temores e a insegurança de Aécio Neves deixaram sua rival como
dona absoluta da praia progressista.