Via Outras Palavras -
![]() |
| Copa reabre antigo debate feminista: prostituição deveria ser proibida? Ou vender serviços sexuais é tão legítimo quanto matérias jornalísticas? |
Entre os
muitos motivos utilizados para se criticar a realização da Copa do
Mundo no Brasil, está o tal do “turismo sexual”. Mas será que ele é
mesmo um problema?
Há
alguns meses, a marca de artigos esportivos Adidas retirou do mercado
uma camiseta “comemorativa” da Copa do Mundo da FIFA 2014, após uma
série de protestos de consumidores que enxergaram nas estampas incentivo
ao turismo sexual. As imagens associavam o Brasil a partes
objetificadas de corpos femininos, sugerindo que a viagem ao Brasil
valeria a pena pelo sexo com as brasileiras. Ao mesmo tempo, nas
manifestações organizadas por diferentes grupos em protesto a várias
atitudes dos governos estaduais e do governo federal para que a Copa
seja realizada, veem-se com alguma frequência cartazes “contra o turismo
sexual”.
Quando
falamos em “turismo sexual”, estamos falando de pessoas que viajam para
consumir serviços ligados ao mercado do sexo. Entram nesse balaio a
prostituição, clubes de strip, casas de swing, shows eróticos e uma
série de outras modalidades pertencentes a esse universo. O principal
problema apontado por quem se opõe ao turismo sexual é a exploração
sexual que também acontece nesses espaços, sobretudo em decorrência da
extrema pobreza e da desigualdade social no Brasil. Se, por um lado,
temos aí prostitutas adultas que vendem seu serviço como eu vendo meus
textos e matérias, também temos adolescentes e crianças sendo vendidas
por suas famílias a redes de exploração.
A
solução apontada por muitos grupos feministas importantes no Brasil é o
fim da prostituição: que além de ser proibida ela seja combatida
efetivamente. Com o fim da prostituição, esse ciclo se encerraria. A mim
me parece, porém, que a coisa é um tanto mais complexa do que isso.
Em
primeiro lugar, o turismo sexual em si não é um problema. Se há turismo
gastronômico, qual é o problema em haver turismo sexual? Qual o problema
em viajar a São Paulo, por exemplo, para frequentar uma casa de fetiche
que não existe em outra cidade próxima? Se tratarmos o sexo como outra
prática e atividade qualquer, e se tratarmos trabalhadoras e
trabalhadores do sexo como trabalhadores, não me parece haver muita
diferença. O problema então não é o “turismo sexual”, mas a exploração
sexual que acontece com ou sem ele.
Em
segundo lugar, o mercado do sexo parece constituir um tipo de prática
corrente em muitas culturas e tempos históricos, ainda que sua forte
associação com o capitalismo seja inegável. Isso coloca a venda ou troca
de serviços sexuais no mesmo campo de práticas como o
consumo/venda/troca de drogas ou o aborto. Se, enquanto feministas,
sabemos que a descriminalização, legalização e regulamentação de
práticas desse tipo são nossas aliadas na conquista de estruturas que
garantam que elas não oprimam as mulheres, por que seria diferente com a
prostituição?
O
Projeto de Lei Gabriela Leite (sobre o qual já escrevi aqui) tem sido
atacado por algumas de minhas companheiras como se fosse piorar a vida
das mulheres durante a Copa do Mundo. Muito pelo contrário, o que o
projeto faz é separar a prostituição enquanto atividade profissional da
exploração sexual: como é que isso pode ser rechaçado frente à
realização de um evento que vai movimentar ambos os tipos de atividade,
sendo que uma delas nos prejudica enquanto classe política e a outra
não?
Na hora de escolher as bandeiras e
palavras de ordem penso que é preciso calma para separarmos joio de
trigo. As consequências de bradarmos pelo “fim do turismo sexual” ou
pela não-regulamentação da prostituição podem ser nefastas: com ou sem
Copa, seguiremos assistindo a tentativa de exploração sexual de crianças
e adolescentes — mas, também, a violência cometida cotidianamente
contra as mulheres que optam por trabalhar no mercado do sexo.
*Texto de Marília Moschovich, na coluna Mulher Alternativa | Imagem: Di Cavalcanti, Mulher deitada e cachorro (1954).



