Dominação da Globo: A maior empresa de mídia do Brasil floresce com um modelo de negócios antiquado.
Quando os jogos da Copa do Mundo começarem no dia 12 de junho no
Brasil, dezenas de milhares de brasileiros assistirão às festividades na
TV Globo, a maior rede de televisão do país. Mas para a Globo será
apenas mais um dia de vasta audiência.
Nada menos do que 91 milhões de pessoas, pouco menos de metade da
população, sintoniza nela todo dia: o tipo de audiência que, nos Estados
Unidos, acontece no máximo uma vez por ano, e apenas para a rede de
tevê que conseguiu os direitos de transmitir, naquele ano, a final do
campeonato de futebol americano, o Super Bowl.
A Globo é, com certeza, a empresa mais poderosa do Brasil dado o seu
alcance em tantas residências. Seu competidor mais próximo na tevê
aberta, a Record, tem uma fatia da audiência de apenas 13%. A rede mais
popular dos Estados Unidos, a CBS, tem apenas 12% da audiência no
horário nobre, e suas competidoras têm em torno de 8%.
A empresa começou no Rio de Janeiro com um jornal, O Globo, em 1925, e foi construída por um titã da mídia, o visionário e longevo Roberto Marinho, que morreu em 2003 aos 98 anos.
Na medida em que cresceu, na era da televisão, a Globo, sem dúvida,
fez tanto para unificar o vasto e diverso país, das florestas da
Amazônia ao coração do país produtor de café, das favelas deploráveis da
periferia urbana às boutiques glamorosas dos centros do Rio e de São
Paulo.
Hoje ela é controlada pelos três filhos do Sr. Marinho e domina o
Brasil como a estátua do Cristo Redentor domina o Rio. Ela é a maior
empresa de mídia da América Latina, com receitas que atingem 14,6
bilhões de reais (U$ 6,3 bilhões) em 2013, que cresceram
impressionantemente na última década. Como uma empresa familiar e
poderosa, ela mais parece uma versão local da News Corporation de Rupert
Murdoch, sem o drama familiar.
A Globo tem, com parte de seu império, tevês por assinatura,
revistas, radio, produção de filmes, jornais mas a maior parte de seus
lucros vem da rede de tevê que transmite novelas obscenas que sempre se
tornam o assunto mais falado do Brasil. Em países mais ricos, o hábito
de “assistir com hora marcada” caiu, com a popularização dos gravadores
digitais de vídeo, mas os brasileiros ainda ligam, devotamente, nas três
novelas que são apresentadas todo dia, seis dias por semana.
A Globo transmite os programas mais modernos e atuais do Brasil,
ainda assim, seu modelo de negócios parece decididamente ultrapassado.
Seus programas são gravados em seus próprios e vastos estúdios,
chamados Projac, encrustados em montanhas cobertas de florestas na
periferia do Rio. Atores e roteiristas são contratados, como eram nos
primórdios de Hollywood.
Trabalhadores costuram figurinos exuberantes e constroem sets
complexos nos locais de filmagem, como o de “Meu Pedacinho de Chão”, uma
das atuais novelas, um conto fantástico a respeito de uma cidade
pequena vista pelos olhos de uma criança. O formado da novela pode ser
adaptado à reação do público, e as histórias podem ser alteradas
rapidamente, dependendo do que os telespectadores acham.
Os executivos da Globo são obcecados com os resultados da audiência
em tempo real, transmitidos para seus escritórios. “Se a audiência cai
um décimo, você sente esse edifício tremer”, um deles disse. Para os
anunciantes que querem levar sua mensagem a uma audiência nacional, é a
escolha óbvia. A Globo sabe disso e estima-se que elevou seus preços
para os comerciais em horário nobre em cerca de 60% desde 2010.
Estabelecendo um padrão
Nem todo mundo se sente à vontade com a sorte da Globo. Os críticos
ficam inquietos com a fatia que ela tem da audiência e do bolo da
propaganda. Ela controla tudo, do acesso que o Brasil tem às notícias às
fatias de mercado e ao salário dos jornalistas. Até mesmo programas de
entretenimento podem ser marcadamente influentes. “Salve Jorge”, uma
novela recente, passada na Turquia, levou hordas de brasileiros ao país,
nas férias. Seus programas também determinam os rumos da cultura
nacional. Este ano ela mostrou o que se acredita ter sido o primeiro
beijo gay em uma rede de televisão.
No restante da América Latina as grandes empresas de mídia vivem um
verdadeiro drama. O Grupo Clarín da Argentina está sendo desmembrado
pelo governo e o México está tentando forçar Carlos Slim a reduzir o
tamanho da Telmex. Mas o governo do Brasil é mais dócil com relação aos
donos da mídia. Também ajuda o fato de os Marinhos terem a tendência de
se adaptar ao clima político. O Sr. Marinho era um grande defensor da
ditadura militar do país, de 1964 a 1985; hoje, seus filhos vivem em um
Brasil mais liberal e democrático e vivem longe do olhar do público. No
ano passado eles publicaram um pedido de desculpas pela política do pai
na seção de “erros” do jornal O Globo.
O Brasil não tem uma tradição de sequências, novelas populares são
sempre encerradas depois de alguns meses para dar lugar a outras novas
(“Meu Pedacinho” é uma refilmagem rara). Da mesma maneira, durante duas
décadas muita gente previu que o sucesso da Globo chegaria ao fim
enquanto os brasileiros buscavam entretenimento em outra parte. Por
enquanto eles erraram. Sir Martin Sorrell, o dono da SPP, uma empresa de
propaganda, destaca que, assim como no Japão, a mídia tradicional no
Brasil é “como uma fortaleza” e continua firme apesar das incursões de
novas fontes de entretenimento.
Como o Brasil está um pouco defasado em relação às tendências da
mídia nos países ricos, a Globo tem sido capaz de observar os erros das
empresas estrangeiras “e por isso não precisamos repeti-los”, disse
Roberto Irineu Marinho, o chefão do grupo. Mas o uso da internet
disparou no Brasil e com o tempo vai alterar os hábitos dos
telespectadores.
Hoje o Brasil tem mais telefones celulares do que habitantes e a
penetração da teve por assinatura aumentou para cerca de 28% dos
domicílios. Em abril os brasileiros passaram cerca de 12,5 horas por
semana em mídias sociais online, em seus computadores, mais do que o
dobro da média global, de acordo com a comScore, uma empresa de
pesquisas. Pela primeira vez na história da Globo ela está enfrentando
competição séria por anunciantes e audiência. Mais e mais o mercado de
propaganda do Brasil será uma disputa entre os dois Gs: Globo e Google.
A Globo ainda é o grande peixe no pequeno lago e pode manter a
atenção dos brasileiros mesmo se eles migrarem para outras plataformas.
Por exemplo, quanto mais residências podem pagar os pacotes de tevê
paga, a Globo pode perder telespectadores de sua tevê aberta mas vai
ganhar quando eles sintonizarem em canais pagos do grupo. Ela está
experimentando novas ofertas online como permitir que as pessoas façam
assinaturas mensais para ver seu conteúdo online com um tempo de atraso.
“Nós não queremos prejudicar nossas receitas com anunciantes trocando
os hábitos das pessoas, mas temos que nos preparar”, disse Jorge
Nóbrega, um executivo sênior da Globo. A Netflix, uma empresa de vídeos
online dos Estados Unidos, entrou no Brasil, mas os defensores da Globo
dizem que os brasileiros preferem assistir telenovelas do que contos
estrangeiros. Na televisão, como no futebol, é bem provável que eles
prefiram continuar torcendo para o time da casa.
*Tradução de Heloisa Villela.