Via Congresso em Foco -
“O governo está permitindo que a Fifa mande e
desmande, desrespeitando e humilhando o povo brasileiro, e a Lei Geral
da Copa está no centro de todo esse processo”, diz advogado, que também
acusa o Ministério Público de omissão.
A Lei Geral da Copa é uma afronta ao povo brasileiro. O Judiciário
brasileiro deveria ter exigido respeito às regras e leis já existentes,
assim como à Constituição Federal, que garantem ao povo brasileiro
direitos, deveres e soberania. Gostamos de futebol e o país poderia
realmente ter realizado esta Copa. Contudo, não precisava alterar
temporariamente nosso ordenamento jurídico como uma republiqueta de
bananas de Terceiro Mundo para que a Fifa aqui realizasse os jogos. Não
se demonstrou seriedade política alguma; se as leis podem ser
silenciadas, suspensas ou alteradas para atender a uma instituição
futebolística, como considerar este um país sério e seu ordenamento
jurídico eficaz?
Criamos uma coletânea de leis de exceção, editadas em todos os níveis
federativos do país, visando à execução do evento de forma a garantir o
lucro da Fifa, de seus patrocinadores e de seus parceiros nacionais e
internacionais, ampliando o canal de repasse de verbas públicas a
particulares, flexibilizando normas legais e cerceando o espaço público
brasileiro.
A Lei Geral da Copa é uma afronta ao ordenamento jurídico nacional
porque, longe de proteger o interesse público, tem por base contratos e
compromissos particulares, ou seja, interesses privados que vêm
suspendendo leis vigentes no país durante o evento para que seus
organizadores obtenham lucros além do que permite as legislação
consolidada do Brasil. Além disso, a nova regra fere a Constituição
Federal ao comprometer o direito de ir e vir dos brasileiros que residem
nas proximidades dos estádios e serão obrigados a possuir credenciais
para chegarem as suas casas.
Segundo a Constituição Federal, quanto ao direito de ir e vir, “é
livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo
qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair
com seus bens”. A mesma Lei Geral da Copa avança sobre “leis de
segurança”, “leis de isenção fiscal”, “leis de restrição territorial”,
“lei penal”, “artigos sobre liberações de visto”, estabelecendo
procedimentos judiciais, criminalizando atos e estabelecendo urgência
para julgá-los, com validade de vigência e eficácia, mediante
representação da Fifa, um verdadeiro absurdo, conforme transcrito a
seguir:
“Art. 36. Os tipos penais previstos neste Capítulo terão vigência até o dia 31 de dezembro de 2014.”
Além disso, o artigo 13-A do Estatuto do Torcedor, que proíbe “em
todo o território nacional o porte de bebidas alcoólicas em eventos
esportivos”, foi suspenso até o final da Copa para que o patrocinador
possa vender bebidas nos jogos. Isso é uma afronta ao Estatuto do
Torcedor e à soberania nacional.
O governo está permitindo que a Fifa mande e desmande, desrespeitando
e humilhando o povo brasileiro. A Lei Geral da Copa está no centro de
todo esse processo e consolidará uma Copa do Mundo excludente e com
graves prejuízos ao povo brasileiro. Veja-se, inclusive, que o artigo 19
determina que sejam concedidos, sem qualquer restrição, nacionalidade,
raça ou credo, vistos de entrada no Brasil. Portanto, a Fifa impõe
obrigações ao Brasil afrontando a legislação relativa às fronteiras e à
concessão de visto. É mais um absurdo legal, colocando a União em
posição de submissão à Fifa, impondo-lhe, inclusive, a responsabilidade
por quaisquer danos e prejuízos em um evento privado (artigos 22, 23 e
24).
Outro descalabro restringe a liberdade de expressão e a criatividade
brasileira, pois nada que envolva a Copa pode ser feito sem a
autorização da Fifa. Qualquer um que utilizar os símbolos da Copa, até a
imprensa, pode ser processado. Trata-se de uma afronta transformar o
Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) em uma espécie de
“bolsa de negócios privado”, abrindo caminho para abusos nas reservas de
patente.
O Brasil tem que ter muito cuidado com essa lei porque, embora
supostamente transitória, poderá incorporar-se definitivamente em nosso
Direito, já que o atual governo não enfrenta a Fifa e pode aproveitar-se
deste momento de mudança e de flexibilização das leis para perpetuá-las
e perpetuar-se no poder. São leis casuísticas e perigosas. Será que nas
Olimpíadas haverá novas alterações nas leis?
Exigimos respeito à Constituição Federal e às regras e às leis já
existentes, que garantem ao povo brasileiro direitos e soberania. Onde
está o Ministério Público, cuja função precípua é fiscalizar as leis e
proteger a Constituição, que não se opõe a esse absurdo?
* Texto de João Clair Silveira, advogado no Rio Grande do Sul.