Via Observatório da Imprensa -
Se alguém parar um minuto para pensar, se dará conta que a agenda de temas que a imprensa nos impõe é paranoica e desvinculada da realidade em
que vivemos. Somos levados a discutir sobre temas que não têm impacto
direto sobre o nosso quotidiano enquanto aqueles que realmente importam
são mencionados superficialmente ou simplesmente esquecidos.
Pior do que isso, nós jornalistas induzimos o público a depender de
decisões superiores quando boa parte dos problemas diários podem ser
resolvidos, coletiva e colaborativamente, pelos próprios interessados.
Alimentar a dependência é uma forma de subordinar as pessoas e ao mesmo
tempo nutrir a onipotência de governantes.
Quem se preocupa em ir um pouco além das manchetes de jornais e
revistas verá que os grandes problemas da população não são a CPI da
Petrobras, se o José Dirceu vai ou não poder trabalhar fora da cadeia,
se a presidente Dilma Rousseff sobe ou desce nas pesquisas etc., etc. O que nos tira o sono é
o espectro da falta d’água, de uma previsível crise no abastecimento de
energia elétrica, o quebra-cabeças da mobilidade urbana e o que fazer
para termos direito aos serviços pelos quais pagamos impostos.
Esses são apenas alguns dos assuntos sobre os quais já deveríamos estar
pensando, mas movidos por uma agenda noticiosa que leva em conta apenas
o que é importante para os governantes de turno e os grandes
empresários, acabamos deixando para depois, na expectativa de que os
políticos e empreendedores operem o milagre impossível de resolver todos
os nossos problemas. Trocamos a nossa omissão por votos na esperança de que eles tragam a solução que nunca vem.
Se a nossa imprensa quisesse, já teria como colocar o debate sobre a
questão da energia tomando, por exemplo, o caso da Alemanha, onde 87%
da produção de energia renovável estão nas mãos de indivíduos ou
movimentos comunitários. Os especialistas em energia estão cansados de
saber que o modelo concentrado em poucas megausinas não tem mais como
crescer e que a descentralização é a única forma de criar sistemas sustentáveis que, operando em rede, podem resolver rapidamente eventuais falhas de unidades isoladas.
Megacidades como São Paulo já são inadministráveis porque a gestão
municipal está toda concentrada na prefeitura, cujo orçamento e efetivo
humano estão muito aquém das necessidades da população.
Mas ninguém discute a descentralização porque
isso não interessa ao prefeito de plantão e nem aos seus adversários,
que esperam apenas a chance de tomar o poder, para que tudo continue
igual.
Decisões como essas dificilmente serão tomadas pelos administradores
atuais porque elas implicam quebrar modelos e rotinas, coisa que os
políticos têm horror dado o risco de perder votos em futuras eleições.
Nenhuma dessas decisões será tomada sem que a população tome
consciência de sua necessidade e urgência. E esta consciência só pode
ser alimentada por informações.
A imprensa seria a única instância à qual o cidadão poderia
recorrer para obter dados sobre a situação de sua cidade, porque as
demais instituições, inclusive a universidade, têm seus interesses
próprios e tratam de defendê-los na mídia. O papel da imprensa seria
propor temas que afetam a comunidade e identificar os interesses,
abertos e ocultos, dos diferentes setores envolvidos em cada problema em
debate. É o que o cidadão espera, mas não é o que ele obtém. O que
assistimos hoje é a população levantar os problemas nas ruas e só depois
disso é que a imprensa, políticos e governantes correm atrás – não para
resolver, mas para livrar a própria responsabilidade, jogando preferencialmente a culpa nos desafetos.
Se a imprensa cumprisse apenas o papel de identificar interesses e
contextos de forma honesta já estaria prestando um serviço inestimável
ao cidadão, que poderia ter elementos minimamente confiáveis para tomar
decisões. Os jornais, revistas, telejornais e sites noticiosos na Web
não precisam se proclamar paradigmas da independência, isenção e
imparcialidade. Todos sabemos que isso é materialmente impossível. Mas
se procurassem, pelo menos, chegar perto da isenção, isto já seria um antídoto poderoso contra a desinformação e deformação informativa.
O cidadão é forçado a engolir maciças doses diárias de violência,
tragédias e crimes cuja divulgação ocupa espaços que poderiam ser
usados para a busca de soluções de problemas que estão na porta da casa
de cada um de nós. Nada contra a divulgação do incêndio do ônibus que
matou 34 crianças no interior da Colômbia, das enchentes na Sérvia ou da
cabeça de bebê encontrada decapitada em Caxias do Sul (RS).
Mas os editores de jornais e telejornais precisam ter uma noção mais
precisa daquilo que afeta ou vai afetar o quotidiano das comunidades
onde está a sua clientela de usuários. Claro que é mais fácil reproduzir
a notícia de uma tragédia distante que já vem formatada para o vídeo ou
basta copiar e colar na página impressa. Investigar temas locais dá trabalho, toma tempo e mexe com interesses de pessoas que em geral estão muito próximas do jornal ou emissora.
A valorização da periferia é um fenômeno global que veio para
ficar porque dele depende a sustentabilidade econômica e social do
planeta. A imprensa ignora olimpicamente o que ocorre na periferia de
nossas cidades e só acorda quando acontece alguma tragédia. Os
empresários e economistas já fizeram as contas, muito antes dos
políticos e administradores, e começaram a migração para a periferia e
para o interior, onde os custos são menores e a qualidade de vida, muito
melhor.
Mas a imprensa continua aferrada a um patriarcalismo político baseado
em promessas eleitorais impossíveis de cumprir, atitude que mantém os
cidadãos domesticados na esperança de que algo vá acontecer. Só que este
modelo de jornalismo está se desgastando rapidamente e, se não for
revisto no curtíssimo prazo, a própria sobrevivência de muitos veículos
de comunicação estará ameaçada.
*Texto de Carlos Castilho.