16.2.14

A ÚLTIMA RAIZ DA CRISE ECOLÓGICA: A RUPTURA DA RELIGAÇÃO UNIVERSAL

Leonardo Boff -
Há muitas causas que levaram à atual crise ecológica. Mas temos que chegar à última: a ruptura permanente da religação básica que o ser humano introduziu, alimentou e perpetuou com o conjunto do universo e com seu Criador.


Tocamos aqui numa dimensão profundamente misteriosa e trágica da história humana e universal. A tradição judaico-cristã chama a essa frustração fundamental de pecado do mundo, e a teologia, no seguimento de santo Agostinho, de pecado original. O “original” aqui não tem nada a ver com as origens históricas desse antifenômeno, mas ao que é originário no ser humano.
Pecado também não pode ser reduzido a uma mera dimensão moral ou a um ato falho do ser humano. Tem a ver com uma atitude globalizadora, com uma subversão de todas as relações nas quais ele está inserido. Importa enfatizar que o pecado original é uma interpretação de uma experiência fundamental, uma resposta a um enigma. Por exemplo, existe o esplendor de uma cerejeira em flor no Japão e simultaneamente um tsunami em Fukushima que tudo arrasa. Por que essa contradição?
A IMPERFEIÇÃO
Sem entrar nas muitas possíveis interpretações, assumimos uma, pois ela ganha mais e mais o consenso dos pensadores religiosos: a imperfeição como momento do processo evolucionário. A imperfeição não é um defeito, mas uma marca da evolução. Ela não traduz o desígnio último de Deus sobre sua criação, mas um momento dentro de um imenso processo.
São Paulo via a condição decaída da criação como um submetimento à vaidade. O sentido exegético de “vaidade” aponta para o processo de amadurecimento.
A natureza não alcançou ainda sua maturidade. Por isso, na fase atual, se encontra ainda longe da meta a ser alcançada. A criação inteira espera ansiosa pelo pleno amadurecimento de filhos e filhas de Deus, pois entre eles e o resto da criação vigora uma profunda interdependência e religação. Quando isso ocorrer, a criação chegará também à sua maturidade.
Então, se realiza o desígnio terminal de Deus. O atraso do ser humano no seu amadurecimento implica no atraso da criação. Seu avanço implica um avanço da totalidade. Ele pode ser um instrumento de libertação ou de emperramento do processo evolucionário.
A EVOLUÇÃO
É aqui que reside o drama: evolução, quando chega ao nível humano, alcança o patamar da consciência e da liberdade. O ser humano foi criado criador. Pode intervir na natureza para o bem, cuidando dela, ou para o mal, devastando-a. Ele começou, quem sabe, desde o surgimento do Homo habilis, há 2,7 milhões de anos, quando ele criou o instrumento com o qual intervinha sem respeitar os ritmos da natureza. Em vez de estar junto com as coisas, convivendo, colocou-se acima delas, dominando.
Com isso, rompeu com a solidariedade natural entre todos os seres. Contradisse o desígnio do Criador, que quis o ser humano como cocriador e que por seu gênio completasse a criação imperfeita. Este colocou-se no lugar de Deus. Sentiu-se pela força da inteligência e da vontade um pequeno deus e passou a comportar-se como se fora Deus de verdade.
Essa é a grande ruptura com a natureza e com o Criador que subjaz à crise ecológica. O problema está no tipo de ser humano que se forjou na história, mais uma “força geofísica de destruição” (E. Wilson) que um fator de cuidado e preservação.
A cura reside na religação com todas as coisas. Não necessariamente precisa ser mais religioso, mas mais humilde. Ele precisa voltar à Terra da qual se exilou e sentir-se seu guardião e cuidador.
Então, será refeito o contrato natural. E, se ainda se abrir ao Criador, saciará sua sede infinita e colherá como fruto a paz.