SEBASTIÃO NERY -
Em 1959,
Janio Quadros e Juracy Magalhães disputavam a legenda da UDN para a
Presidência da República.
José Aparecido, articulador da campanha de
Jânio, aconselhou-o a ir ao Nordeste para um encontro com os governadores da
UDN: Magalhães Pinto (MG), presidente do partido, Cid Sampaio (PE), Dinarte Mariz (RN), Luis Garcia (SE).
Marcaram encontro em Aracaju. Janio, Aparecido, outros, pegaram um avião no Rio. Quando desceram em
Salvador para reabastecer, Janio viu Juracy embarcando para Aracaju sem esperar
para cumprimenta-lo. No aeroporto, a imprensa baiana foi educada mas dura com Janio. Perguntei:
- Governador,esses passeios de V. Exa pelo mundo estão sendo pagos por
quem? Ou será com o famoso terreno da Vila Mariana, em São Paulo?
- Respeitem-me. Nada tenho a dizer. Lamento o comportamento do
governador.Não sou dos que arreganham os dentes para o sucesso eleitoral.
Levantou-se e foi para avião. Em Aracaju uma multidão com vassouras e os
governadores da UDN o esperavam. Disse a Aparecido:
- O Juracy me armou uma cilada.
Vou dizer-lhe o que precisa ouvir.
Na primeira reunião, Jânio levantou-se:
- Governador Juracy, quero começar dizendo que não aceitei o que o
senhor fez em Salvador, as perguntas que me mandou fazer.
Juracy também se levantou, apoplético:
- O senhor me respeite. Nunca precisei pedir a ninguém para fazer
perguntas por mim. Não tenho caspas nos meus ombros. Sou um revolucionário de
30. O senhor é um aventureiro, mentiroso e demagogo.
- Governador Juracy, não temos mais nada a conversar. Eu me retiro.
E saiu rápido.
O VASSOURINHA
Em 10 de fevereiro de 1961, dez dias depois da posse de Jânio no
governo, fui a Porto Alegre entrevistar o governador Leonel Brizola. Recebeu-me
no gabinete no dia seguinte às seis da manhã. Estavam lá, com cara de sono,
Brusa Neto e Hamilton Chaves, os principais assessores.
A conversa foi longa e
objetiva. A certa altura, Brizola pede que eu não anote:
- Nery, isso que vou te dizer não deve ser publicado, porque não quero
criar problema para o presidente Jânio Quadros. Gosto dele, estamos os dois
apenas com dez dias de governo. E já começam graves problemas.
- De que tipo, governador?
- Políticos e econômicos. Sobretudo políticos. Tu já fizeste uma análise
das forças políticas e econômicas que financiaram o Vassourinha? (Vassourinha
era o Jânio). Para atender às necessidades do País e dos seis milhões de
eleitores que votaram nele, ele vai ter que mudar de comportamento, e as forças
que o financiaram não vão se conformar.
Bateu o fundo da caneta na mesa, ficou pensando longe:
- Tu deves ficar atento. Em seis meses, ou ele renuncia ou vamos para a
guerra civil.
Fui para o hotel, anotei e guardei. Em sete meses Jânio renunciou.
LEITE BARBOSA
Jânio era dois : o artista e o estadista. Alias, era vários. Historias
do artista, do múltiplo, do excepcional comunicador de massas, do candidato
sempre imbatível - vereador, deputado estadual, deputado federal,
prefeito, governador, presidente - há tantas, nos meus e outros livros. Mas o
Brasil lhe devia o livro sobre o estadista, o homem que em
1960 viu o pais meio século à frente,com todos os riscos e abismos que
precisaria saltar e vencer.
Pois tem o livro. Publicado em 2007 pela Editora Atheneu (Rio, São
Paulo), e logo esgotado, volta às livrarias, em esmerada segunda edição
ampliada, uma obra-prima do embaixador Carlos Alberto Leite Barbosa: “Desafio
Inacabado – A Política Externa de Jânio Quadros”.
Rara gente no Brasil teria a bagagem do embaixador Leite Barbosa para um
livro desse nível sobre a política externa brasileira. Formado pela Nacional de Direito da Universidade do Brasil, já no Itamaraty aos 23 anos, em 42 anos de diplomata serviu em
Nova York, Buenos Aires e Madri e, foi embaixador em Bogotá, Roma, Paris e
junto à OEA.
Em 1960 foi convocado para o governo Jânio Quadros, onde trabalhou ao
lado do presidente todos os dias dos 7 meses do governo. Seu testemunho é
preciso, detalhado, documentado e sobretudo inteligente, não perdendo os
conflitos que iam surgindo e sendo enfrentados. Perfis irretocáveis : de Jânio,
Afonso Arinos, Lacerda, Fidel, Guevara, Kennedy, Tito, Frondisi. E EUA, União
Soviética, China, África. Uma aula-magna.