26.12.13

SUCESSÃO NO ESTADO DO RIO: 9 CANDIDATOS POSSÍVEIS, APENAS 3 VERDADEIROS. LACERDA NÃO ROUBAVA NEM DEIXAVA ROUBAR

HELIO FERNANDES –

Com 32 partidos e 39 ministros, as sucessões estaduais ficam cada vez mais complicadas. Não só por falta de nomes com penetração popular, mas também da necessidade de cada candidato um palanque. Não se confirmarão os 9 candidatos, mas continua a procura. Hoje não vou analisar a fundo a sucessão do Estado do Rio, analisar um fato estranho, curioso, mas rigorosamente verdadeiro.

O PSDB, sem nome e sem voto

O Rio antes da mudança e o Estado do Rio antes da fusão, eram sempre oposicionistas. Como capital não havia eleição para governador, mas senadores do Rio e da oposição, sempre se elegiam. Criado o Estado da Guanabara em 1960, Carlos Lacerda foi eleito, isso jamais aconteceria se a capital continuasse aqui.

Apesar de lutar sempre pela exigência da maioria de votos para presidentes e governadores, ficou contra a posse de JK em 1956 depois da vitória de 1955. E lutou para Vargas não ir para o Catete em 1951, depois da vitória na eleição de 1950.

Lacerda, governador com 29% dos votos


Marcada a eleição para 5 de novembro de 1960, Lacerda se lançou logo, com grandes conversas e articulações com o então seu grande amigo Golbery. Foi a ultima ligação deles. Já em 1965 estavam brigadissimos. Na sucessão de Lacerda, Golbery lançou e articulou Negrão de Lima, que ganharia facilmente.

Como os comunistas estavam sempre precisando de recursos, Golbery “arranjou” tudo o que eles pediam e precisavam, os comunistas divulgaram o slogan: ”Vote em Negrão com lenço no nariz, mas vote”. Lacerda não pode fazer nada, não tinha votos para o seu candidato Flexa Ribeiro, este não tinha liderança para se eleger.

Ele e Golbery em 1960, não juntaram mais de 29 por cento dos votos, assim mesmo venceram. Sergio Magalhães, comunista e excelente figura, conseguiu 28, Tenório Cavalcanti que era do Estado do Rio (naquela época não havia domicilio eleitoral), sozinho teve 15 por cento. E o ex-prefeito Mendes de Moraes acusado publicamente de grandes irregularidades na construção do Maracanã, ficou com 8 por cento, mas em liberdade.

Lacerda: “Não roubava nem deixava roubar”, grande governo

Assumiu sem nenhuma experiência, mas com vontade de fazer. A antiga capital era “um barril de pólvora”, perto de explodir. O grande problema se localizava na falta de água. Tudo seco, abriam ao meio dia e às 6 da tarde, quem podia, enchia tudo o que era possível.

Lacerda comprou o projeto do Guandu, mas não havia dinheiro. O Secretário Helio Beltrão (grande amigo do repórter) foi quatro vezes aos EUA para “fechar empréstimo” com o BID. Na ultima, uma pilha de documentos mais alta do que ele. O empréstimo: de um valor que nem me lembro. Mas os juros eram de 1,5/8, os americanos adoram isso.

Quase na mesma época, o governo ditatorial resolveu abrir a ponte Rio-Niterói, que estava no papel há muitos anos. Conseguiu empréstimo na Inglaterra com juros de 14 por cento. (Escrevi muito sobre isso. Título geral das reportagens: “A ponte de ouro, sobre o mar de lama”).

Começam as obras do Guandu

Lacerda escolheu o engenheiro Veiga Brito, notável figura, para comandar as obras. Grande amigo, íamos muito ao Guandu. Descíamos os três numa caçamba, enquanto do outro lado, as rochas explodiam como se fosse acima de nós.

As obras foram seguindo rapidamente, ultrapassando o projeto e o prazo das obras. Logo depois, o Estádio de Remo da Lagoa, caiu, num rompante e num equivoco, demitiu o Secretário de Obras, Antônio Laviola. Era campeão carioca, brasileiro e sul-americano de natação, pessoa admirável. Não tinha nada a ver com a queda do estádio.

E para mostrar que o governo cometia erros por causa de decisões tomadas no impulso e no impacto dos fatos, mais um, inexplicável. Para o lugar do Secretário de Obras, (terrestres), Lacerda nomeou o Brigadeiro Terra, diretor de obras (aéreas) também grande figura, mas deslocado.

Lacerda viaja muito, pelo Brasil

O governador adorava viajar e comprar. Viajar, só podia pelo Brasil. O vice, Eloy Dutra, era mais do que adversário, inimigo declarado. Para ir ao exterior, tinha que passar o cargo a ele. Então percorria o Brasil, até que com o golpe de 64, Eloy Dutra foi cassado, Lacerda libertado, viajou logo para o exterior. 

O Túnel Rebouças, e o controle do transito

Marcos Tamoio, que depois seria excelente prefeito, fez a proposta-sugestão ao governador: “Por que o senhor não constrói um túnel ligando o centro da cidade à zona sul? Hoje, todos os carros ou caminhões que vão do centro para a zona sul e vice versa, ou para Petrópolis, tem que dar grandes voltas”.

Lacerda ficou iluminado, poucos dias depois chamou o Tamoio e disse, “vamos fazer o túnel, você será o responsável, tem que ficar pronto antes da eleição de 65”. Tamoio que tinha grande admiração pelos dois irmãos engenheiros, negros e gêmeos, os Rebouças, colocou o nome deles no túnel.

O transito altamente congestionado, Lacerda convocou o coronel Fontenelle, não perguntou nada, apenas disse: “Quero ir da zona sul para a cidade em 15 minutos”. Fontenelle começou a trabalhar, conhecia o problema a fundo, viu logo que tudo começava na Praça Mauá.

Os grandes empresários agrícolas carregavam e descarregavam seus caminhões todo dia, “estrangulamento total”. Fontenelle chamou os grandes empresários do setor, determinou: “a partir de amanhã, carga e descarga só entre meia noite e 6 da manhã”.

Os poderosos desesperados

Foram em massa ao governador, certos de que seriam atendidos. Mandavam de verdade, pediram ao governador que modificasse a ordem de Fontenelle. E ainda acrescentaram: “Se a ordem dele for mantida, vamos parar o abastecimento da cidade”.

Carlos Lacerda me contou a resposta: “Disse a eles o seguinte: Não posso ir para a rua fiscalizar o transito, revogando a ordem de um especialista. Conversem com ele”. Mas acrescentou: “Se o Rio ficar sem abastecimento, aí o problema será diretamente do governador, tomarei as providencias obrigatórias”.

A carga e descarga ficou no horário razoável fixado por Fontenelle. O transito logo melhorou. Não houve desabastecimento, os grandes empresários não quiseram nem arriscar. Tudo isso que Lacerda realizou tinha uma base: não roubava nem deixava roubar. Ficou rico antes de ir para o governo, quando vendeu a Tribuna da Imprensa para Nascimento Brito, que pagou à vista, 26 milhões de dólares, não me lembro de quanto o dólar valia na época.


PS – Amanhã continuo. Já vivi e participei tanto, que quando começo a escrever sobre um assunto, surgem uma porção de outros. A sucessão do Rio sempre foi importantíssima.