MIRANDA SÁ -
“Tanto quero o pão, como o vinho, a fantasia e a realidade”. (Cazuza)
Ler e reler é para mim uma diversão rentável, pois acumulo cultura como um usurário, seguindo o ensinamento prático da grande Cecília Meirelles que escreveu: “Gosto de estudar o que me dá conhecimento melhor das pessoas, do mundo, da unidade”.
Foi por isto que na Sexta-Feira da Paixão me peguei com Lima Barreto, que considero uma referência literária, ao nível do grande Machado de Assis. Saltitei sobre “Os Bruzundangas”, o estudo de um País que “vivia de expedientes”…
Vale a pena ler Lima, até para aprender o uso de certas palavras – algumas já mortas e enterradas, e outras entubadas, sobrevivendo na UTI da Gramática.
Descrevendo a República dos Estados Unidos da Bruzundanga, o narrador mostra que o País é o avesso do que ensinava Bossuet, teórico do absolutismo, sob o argumento que o governo era divino e que os reis recebiam seu poder de Deus. Os bruzudunguenses criticam os políticos, deputados, senadores, ministros e até o presidente.
O visitante observou que o povo tem, em parte, razão, por que lá os políticos são o pessoal mais medíocre que há. Apegam-se a velharias, a coisas estranhas à terra que dirigem. Eles ignoram o desemprego dos nacionais e facilitam a entrada de milhares de forasteiros…
“O ensino superior fascina todos na Bruzundanga. Os seus títulos, como sabeis, dão tantos privilégios, tantas regalias, que pobres e ricos correm para ele… Mas só são três espécies que suscitam este entusiasmo: o de médico, o de advogado e o de engenheiro”.
Entretanto, de acordo com a sua Constituição, em Bruzundanga é livre o exercício de qualquer profissão, extinguindo todo e qualquer privilégio do diploma. Aliás, quando se reuniu a Constituinte no País, nasceu no povo uma grande esperança, mas entre os poderosos houve muita discordância.
Calaram-se, porém, os críticos, quando ficou estabelecido nas disposições gerais, com letra bem miudinha: “Toda vez que um artigo desta Constituição ferir interesses de pessoas da “situação”, ou membros dela, fica subentendido que ele não tem aplicação no caso. Até a oposição foi unânime em aprova-lo, porque todos esperavam ficar um dia na “situação”.
Se algum cidadão reclamasse de inconstitucionalidade e apelasse para a Justiça (lá em Bruzundanga se chama Chicana), logo a Suprema Corte indagava se feria interesses de pessoas da situação e decidia conforme o famoso artigo.
É lógico que só os advogados se obrigam a conhecer a barafunda de leis, enquanto os filósofos pensam que com relação ao Estado não se exija apenas o conhecimento dos textos jurídicos, mas também a opinião dos “especialistas”.
“Um País como a Bruzundanga precisa ter os seus heróis e heroínas para justificar aos olhos do seu povo a existência fácil e opulenta das facções que a têm dirigido”; e a imprensa, dominada por grandes jornais e revistas elegantes, monopolizam a opinião sobre a arte, a literatura e a política. Daí saem aqueles que são eleitos, por aplausos, para a Academia de Letras.
Os deputados eleitos, quando empossados tratam logo de colocar em bons lugares a sua clientela; vendem o voto, fazem reformas corporativas, inventam cargos, para alcançarem o seu objetivo político. Enfrentam em parceria com a Justiça, a Lei fundamental de Bruzundanga, que reza: “Todos os cargos públicos são accessíveis a todos os bruzundanguenses, mediante as provas de capacidade que a lei exigir”.
De comentário em comentário, Lima Barreto terceiriza a descrição de um país de fantasia que muito se parece com aquele que nós brasileiros herdamos do lulopetismo, e como paródia, lembro que quando se via um cara entrar do Planalto todo espevitado, perguntava-se quem era, e a resposta era pronta: – “É um pelego sindical”.