9.11.18

SOU MACUMBEIRO E PONTO; EU GOSTO É DA BRASILIDADE

LUIZ ANTONIO SIMAS -


Acho curioso quando perguntam quais são as principais referências da minha produção intelectual. Eu respondo com seriedade: é a macumba, evidentemente. Temos os marxistas, os deleuzianos, os weberianos, os benjaminianos, os afrocentrados... Qual é o problema de termos os macumbeiros? Os saberes que circulam nos terreiros do Brasil?

Sou macumbeiro mesmo, definição que reputo provocadora, de caráter brincante, intelectual, poético e político, que subverte sentidos profundamente preconceituosos atribuídos ao termo repudiado, e admite as impurezas, contradições e rasuras como fundantes de uma maneira encantada de se encarar e ler o mundo no alargamento de nossas gramáticas.

O macumbeiro redimensiona as percepções sobre o ser e o conhecimento a partir de uma mirada original, saída das umbandas, catimbós, encantarias, torés, babaçuês, candomblés, omolocôs, pajelanças e sambas. Isso é, por óbvio, uma filiação a um manancial sofisticadíssimo de saberes, produção de conhecimento e elaboração de conceitos. Eles fundamentam o meu trabalho.

Sou macumbeiro e ponto.

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Eu gosto é da brasilidade

Se é ame-o ou deixe-o, quero dizer que já deixei faz muito tempo.Tenho pouquíssimo interesse pessoal no Brasil. Não gosto do Brasil; é mais honesto dizer. Eu gosto é da brasilidade, essa comunidade de sentidos, afetos, sonoridades, rasuras, contradições, naufrágios, ilhas fugidias. identidades inviáveis, subversões cotidianas, voo de arara e picada de maribondo, saravá e samba. Coisas que o Brasil, o estado colonial brasileiro delimitado em marcos territoriais, a burocracia, a República, como a Monarquia, odeiam. Essa arte de viver na síncopa, no drible, na dobra do tambor, na oração dos romeiros, na dança lenta de Oxalufã, nas delicadezas do Reisado, nas rodas de cirandas, nas oferendas do Divino, na suavidade dos sons bonitos, no esporro dos tambores das matas e cidades e na imponência calada das imensas gameleiras. O Brasil tem verdadeiro horror da brasilidade, essa bruma incerta que une os marujos da nau sem rumo, a filha das putas, dos fodidos, dos lanhados, dos exterminados, dos encantados, contra o vento, contra o rei, contra a lei, contra o altíssimo, contra a foice, o facão, o canhão e o arado. Eu já deixei o Brasil - um empreendimento horroroso de morte e desencanto - faz tempo e fui morar, arriar padê e cuspir marafo na encruzilhada da brasilidade, a sua maior inimiga. (via Facebook)