DANIEL MAZOLA -
O escritor e jornalista Euclides da Cunha presidiu uma
Comissão Brasil-Peru para determinar as fronteiras entre esses países no início
do século XX, nesse período ele conviveu com os seringueiros na recém
implementada indústria da borracha. Esse convívio estarreceu o escritor e ficou
bem claro em um trecho de seu relatório: "O rude seringueiro é
duramente explorado, vivendo despeado do pedaço de terra em que pisa longos
anos e exigindo, pela situação precária e instável, urgentes providências
legislativas que lhe garantam melhores resultados a tão grandes esforços. O
afastamento em que jaz, agravado pela carência de comunicações, reduz-lo, nos
pontos mais remotos, a um quase servo, à mercê do império discricionário dos
patrões. A justiça é naturalmente serôdia e nula. Mas todos esses males, que
fora longo miudear, e que não velamos, provém, acima de tudo, do fato meramente
físico da distância. Desaparecerão, desde que se incorpore a sociedade
sequestrada ao resto do país...".
Tanto tempo depois e continuamos convivendo com a mesma exploração
que transforma o trabalhador em um indivíduo sem consciência, péssimas relações
de trabalho onde existem terceirizações, transportes inapropriados, assédios
morais, desmonte da CLT e agora ainda mais perturbador: Bolsonaro eleito
presidente da República.
No seu texto “Judas Ahsverus”, Euclides da Cunha analisa a
vida do seringueiro e de sua "escravidão" as relacionando com a
malhação do boneco de Judas num sábado de aleluia. Essa malhação que na real só esfola os trabalhadores, a partir de
janeiro deverá atingir o ápice histórico no país, as posições do presidente
eleito em matéria trabalhista representam uma continuidade da política adotada
no desgoverno Temer que, em julho de 2017, aprovou uma antirreforma que
restringe e retira direitos estabelecidos, fragiliza as instituições públicas
que fiscalizam e garantem o cumprimento da lei, e reduz o papel dos sindicatos
no processo de negociação coletiva.
O “projeto” apátrida-entreguista do coiso é
fundamentado numa premissa clara, tirar a responsabilidade do Estado e sujeitar
o indivíduo aos riscos e às incertezas do mercado. A primeira medida (leia-se
malhação) será a extinção do Ministério do Trabalho. Quem nos salvará do coiso?