30.10.18

O DOMÍNIO DA EMOÇÃO NA ELEIÇÃO DE BOLSONARO

JOSÉ CARLOS DE ASSIS -


Tinha certeza absoluta de que Fernando Hadad perderia as eleições. No curso da campanha fui mudando de idéia. No intervalo dos dois turnos, o crescimento de Haddad me pareceu indicação de sua possível vitória. Na véspera do segundo turno teria apostado que ele ganharia numa virada espetacular. No entanto, ele perdeu. E não foi propriamente por seus defeitos, nem pelas qualidades de Bolsonaro. Foi pelo ódio ao PT e sua vinculação à corrupção, martelada impiedosamente por anos pela mídia televisiva.

Eleições se decidem pela emoção, e a emoção está vinculada à situação pessoal do eleitor. Escrevi vários artigos dizendo que com uma taxa de desemprego e subemprego da ordem de 27%, afetando indiretamente mais de 50% da população, abria-se no Brasil o caminho para o fascismo, como aconteceu na Alemanha dos anos 30. É claro que o PT não foi culpado por essa situação objetiva. Mas a opinião pública, praticamente ignorando os anos de Temer, foi buscar mais atrás a culpa do PT e também dos outros partidos políticos.

Para a sociedade crucificada pelo desemprego, o voto era um momento de vingança. Isso aconteceu claramente na Alemanha no início dos anos 30. Diante de uma classe dominante e de uma elite política indiferentes à situação social, qualquer coisa parecia ser melhor. Foi nesse contexto que apareceu Wilson no Rio, Zema em Minas, a repetição de Doria em São Paulo e Bolsonaro no Brasil. As características dessas figuras é o vazio de propostas, exceto por certos mantras neoliberais que apontam também para uma tragédia econômica.

Onde errei? Errei ao não considerar que a mística de Lula se esgotou no primeiro turno ao atingir cerca de um terço dos votos. Tudo que ele poderia dar de votos para Haddad parou aí. E não conseguiu tirar nada de Bolsonaro. O segundo turno foi a expressão de um voto contra a situação social e a corrupção vinculadas de forma injustificada a Lula e ao PT. De um ponto de vista racional, o alto desemprego teria de ser atribuído aos três anos de Temer, nunca aos anos de Lula, encerrados com uma taxa de desemprego próxima do pleno emprego.

Creio que foi Karl Deuthche quem criou a expressão “lógica reconstruída”. É o processo pelo qual chega-se a uma determinação lógica por evidências de trás para diante, mas de diante para trás. Bolsonaro tem que ser entendido em sua lógica de trás para diante. O Bolsonaro real não é o que ganhou as eleições, mas o que se preparou para elas com clareza absoluta de afirmações bizarras. Ele não tem um discurso coerente. Solta fragmentos verbais sem qualquer clareza de pensamento lógico. Diz agora o que não teme desmentir em seguida.

Num certo sentido é mais eficaz que Hitler. Não precisa de um Goebbels, o gênio da propaganda nazista, para pautá-lo. Ele é o seu próprio Goebbels, com uma capacidade estranha de convencer as pessoas martelando em suas cabeças idéias toscas e idiotas. Seus simpatizantes não exigiram dele nada na campanha. Sequer um programa de combate ao desemprego. A única coisa que ofereceu em economia, chave de qualquer governo, foi privatizar estatais por 800 bilhões de dólares e demitir merendeiras nas escolas fundamentais.

Todo esse contexto, porém, nos impõe reflexões severas sobre o destino do país. Se as condições não estão ainda maduras para o nazismo, elas caminham para lá. Isso porque as condições sociais certamente piorarão. E não é provável que Bolsonaro recue. Quanto pior for a situação, mais tenderá a escalar. Portanto, vigiai e orai. Não pode haver complacência com os riscos que vamos correr. A eleição de Bolsonaro não é algo normal. Não podemos cair na tentação de tratar como normal qualquer tipo de política que venha por aí.