JEFERSON MIOLA -
No último debate do primeiro turno, em 4 de outubro, Bolsonaro reafirmou seu profundo desprezo pela democracia e pelas regras do jogo eleitoral.
Escudado num atestado médico, fugiu do debate na Globo com todos os candidatos mas, curiosamente, encontrou condições físicas e de saúde para participar de uma longa e amistosa entrevista na TV Record do “fundamentalista charlatão” Edir Macedo, como Haddad definiu o dono da Igreja Universal do Reino de Deus.
Em decisão que significou o funeral da justiça eleitoral, o tse cassou medida liminar que pedia a suspensão da entrevista. O tribunal, assim, foi cúmplice do abuso de poder religioso, foi cúmplice da conversão de uma concessão pública [rádio e televisão] em órgão de propaganda partidária, e foi leniente com a destinação desigual – e ilegal – de espaço na televisão para o candidato Bolsonaro em detrimento de todos demais candidatos.
A entrevista na Record sacramentou o casamento do Bolsonaro com o charlatão religioso que acabara de trair e abandonar a fracassada campanha do Alckmin. E assegurou ao candidato fascista um canal privilegiado para fazer proselitismo político a milhões de pessoas, principalmente da comunidade evangélica, numa aposta para vencer a eleição no 1º turno.
O plano estratégico Bolsonaro-Record transcende a eleição, e diz respeito à conformação de um poderoso e ambicioso sistema de comunicação oficial do regime bolsonarista. Reportagem do saite The Intercept que analisa os bastidores do apoio do portal R7 a Bolsonaro revela a rotina de censura prévia e de serviço sujo na redação da emissora para favorecer Bolsonaro e prejudicar Haddad.
Num eventual governo Bolsonaro, a Record teria preferência equivalente à que a Fox News tem no governo do também fake news Donald Trump, realidade que afetaria sobremaneira os interesses econômico-comerciais da Rede Globo, bem como o poder e a hegemonia política, ideológica e cultural da família Marinho.
O resultado das urnas em 28 de outubro, que dirá se o Brasil escolherá o caminho da democracia ou do despotismo, da civilização ou da barbárie, da liberdade ou da repressão, também poderá definir o futuro comercial e empresarial da Rede Globo, que passaria a enfrentar a concorrência de uma TV que se locupleta financeiramente através da exploração inescrupulosa e hipócrita da religião.
A Globo não morre de paixão pela democracia e pelo Estado de Direito, mas é capaz de se jogar numa luta de vida e morte para defender seu poder e, principalmente, seus interesses financeiros e comerciais.
Quem acompanha a grade de programação da Globo consegue perceber que nos últimos dias, notadamente depois da entrevista do Bolsonaro na Record, a emissora sutilmente tem agendado temas que, em tese, seriam conflitantes com a pregação reacionária bolsonarista.
Nos noticiários e programas variados, a Globo contrapõe com sutileza abordagem diferente dos preconceitos e das posições tacanhas defendidas pelo bolsonarismo – e desde uma perspectiva desconstrutiva da visão totalitária, binária e reducionista do Bolsonaro.
É difícil cravar que essa postura seja indício de mudança editorial da Globo para defender os valores da democracia, da pluralidade e da tolerância contra o que Bolsonaro representa; mas é perceptível que a emissora dos Marinho, historicamente empenhada em prejudicar candidatos petistas, neste segundo turno comporta-se de maneira claramente diferente – sequer destacou a nova denúncia boca-de-urna dos procuradores contra Lula divulgada pelos criminosos da República de Curitiba a 2 dias da eleição.
O destino e o futuro da democracia, paradoxalmente, poderá não ser definido através da política e da soberania popular, como deveria, porque poderá ser resultante da guerra travada entre aqueles que não têm voto, mas acumulam muito poder – os grupos empresariais, familiares ou religiosos da mídia.