7.10.18

A POLÊMICA "REDE DE NEBLINA" [VÍDEO]

ANA CLARA SALLES -

Na sexta-feira dia 1 de junho de 2018, houve uma abordagem contra a forma de captura utilizada em projetos de pesquisas, no Centro de Estudos Ambientais e Desenvolvimento Sustentável (CEADS-UERJ) que está localizado na Ilha Grande, por parte de três ativistas. Esse caso mobilizou a comunidade científica brasileira levando ao auge a polêmica das técnicas de pesquisa e o bem-estar dos animais.


Elas andavam pela trilha, retorno de Parnaióca em Dois Rios, e se depararam por volta de 11:30 com uma rede de neblina que continha pássaros presos. Segundo Mônica Lima (é bióloga e pesquisadora da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da UERJ, ativista indígena e grande atuante em diversos movimentos como a resistência da Aldeia Maracanã), uma de suas amigas Márcia foi de cara na rede e seus óculos caíram. O primeiro pensamento do que estava acontecendo seria de caçadores. Tinham a ideia que a intenção era a captura ilegal dos pássaros, e não uma pesquisa científica, já que não havia nenhum aviso na localidade sobre o experimento. Com esse contexto as ativistas começaram a tentar retirar os pássaros das redes, ao todo foram 4, mas para isso tiveram que cortar as redes para não ferir os animais. Com receio de que os caçadores poderiam revidar começaram a vasculhar as proximidades e deram de cara com um pesquisador dormindo e posteriormente outra aluna também apareceu, começou-se uma discussão. De início ainda se trocou um diálogo, mas a discussão se exaltou ao ponto que Mônica foi intimada a ir na delegacia por dano ao patrimônio.

A bióloga depois do ocorrido liberou nas redes o relato que com o tempo ganhou grandes proporções e discussões na internet, e necessita-se frisar que houve um grande linchamento contra Mônica na postagem.  Rendeu dois vídeos em canais de ciências no YouTube (Canal do Slow e Pirula), que tiveram quase 90 mil visualizações.

A "rede de neblina", um método aprovado internacionalmente, (mist net, em inglês) tem esse nome por ser feita com fios muito finos, geralmente de nylon. Ela é fina demais para que os pássaros percebam durante o vôo - e eles acabam se chocando contra ela. As aves capturadas pela "rede de neblina" geralmente são medidas, pesadas e identificadas com anilhas (um tipo de anel preso à perna). Esse processo ocorre para saber dados da variação das populações de pássaros e suas preservações.  Um artigo publicado em 2011 no periódico da Sociedade Ecológica Britânica mostrou que apenas 0,59% dos pássaros capturados sofriam algum dano, e uma fração ainda menor (0,23%) morria. A pesquisa baseou-se em dados coletados por 22 sociedades de anilhamento de pássaros (banding) nos EUA e no Canadá. Em defesa da pesquisa de Ilha Grande um grupo de mais de 600 pesquisadores de várias universidades do país assinou uma carta em apoio à coordenadora do estudo, a bióloga Maria Alice dos Santos Alves.

A grande questão para a bióloga Mônica é o método de como se estuda esse campo, segundo ela alheio ao direito e ao sofrimento dos animais. Ela mesma se nega a fazer esse tipo de estudo - "Em nome da ciência se cometem absurdos e crueldades contra os animais. Parece que a academia não pode ser questionada", diz ela. "Mas a ciência pode ser questionada nos seus métodos, sim. É contraditório estudar os pássaros, mas não se preocupar com a vida dos mesmos", reclama ela.

Mônica - que também se declara militante indígena - critica a forma como os colegas estavam trabalhando. "A rede não deveria estar no meio do caminho, próxima da vila de Dois Rios, numa hora não apropriada e sem avisos. O fato de a gente ter começado a tirar os pássaros antes deles aparecerem também mostra que eles não estavam monitorando com o intervalo devido", diz.

Essa grande polêmica na questão de metodologia e epistemologia (ciência, conhecimento, é o estudo científico que trata dos problemas relacionados com a crença e o conhecimento, sua natureza e limitações.) perpassa por muitos desafios de estrutura e questionamento da mesma. Mônica Lima e suas colegas carregam uma bagagem cultural que sofre processos genocidas, ou seja, de apagamento de vidas e de culturas indígenas desde a colonização. As culturas de vertente indígenas interagem de forma completamente diferente na relação com a natureza e os animais. Das grandes discussões que se estabeleceram, pouco deram atenção a este ponto crucial para a ação que foi feita contra patrimônio. O modelo acadêmico que se instaura nas universidades de ensino superior não foge dos moldes eurocêntricos de pesquisa até hoje, embora a resistência e as novas formas epistemológicas apareçam com mais freqüência na universidade por conseqüência de políticas afirmativas, desafiar abordagens de como se obter o conhecimento ainda é uma grande discussão e tabu ao mesmo tempo.

Houve eventos culturais feitos pela bióloga e apoiadores das ideias e ações, as quais têm registros e mostram representações artísticas teatrais que evolvem a perspectiva do animal na situação retratada.

O assunto foi discutido no Conselho Universitário, e em nota a UERJ confirmou que abriu uma sindicância para apurar o ocorrido. "Somente após a conclusão da sindicância, garantido o amplo direito de defesa e contraditório, é que a Universidade poderá adotar alguma sanção", disse a instituição. O resultado da sindicância se revelou contrário aos atos da bióloga Mônica Lima, sob condenação de depredação ao patrimônio público, dano à pesquisa e aos pesquisadores envolvidos no projeto. Mesmo após o fim da sindicância, o debate continua em aberto e requer maior aprofundamento.