LUCAS RUBIO -
Estação de Dandong, a última estação do lado
chinês e o gigantesco hotel Ryugyong na capital Pyongyang. (Fotos: Lucas Rubio).
|
Coreia do Norte - Escolhi um dos melhores e mais nostálgicos meios de transporte para chegar na gloriosa Coreia Popular: o trem! A famosa viagem de trem de Pequim a Pyongyang dura 24 horas e é uma oportunidade incrível de conhecer boa parte do interior da República Popular Democrática da Coreia.
Saí de Pequim no final do dia 3 de setembro de 2018. Vale contar sobre dois anjos da guarda que tive na viagem. Na estação de trens de Pequim, pedi informações a duas pessoas aleatórias sobre a plataforma de embarque para a Coreia do Norte; quando o rapaz que me ajudou começou a falar, notei que ele era coreano porque ele tinha em seu peito a insígnia com os retratos de KIM IL SUNG e KIM JONG IL. Agradeci e pensei: 'nossa, esse é o primeiro coreano que falo em uma situação normal!'. Voltei para buscar meu amigo para retornar à fila e nesse meio termo a fila cresceu muito, me afastando do jovem coreano que tinha me ajudado. Na fila, percebemos vários coreanos voltando pra casa levando consigo alguns produtos que são mais fáceis ou baratos de se conseguir na China.
Após conseguir entrar na zona dos trens, eu e meu amigo Lenan fomos andando e andando até o último vagão, que era o vagão com nossas cabines. Pedimos ajuda a um oficial chinês para achar nossos lugares porque o sistema de cabines era meio confuso e quando chegamos na cabine (composta por 4 camas, portanto, dividida entre 4 pessoas), quem estava lá? Exatamente o mesmo jovem coreano que tinha me ajudado na fila! Ele e o senhor de mais idade que o acompanhava... Eles olharam pra gente com alegria e disseram: "ahh, é você!", hehehe... Quem diria, mas essas duas pessoas abençoadas seriam as nossas companhias por mais de 24 horas e viveríamos ao lado deles momentos incríveis que marcariam nossas lembranças!
A segunda estação de trem no interior da Coreia Socialista |
Aos poucos fomos nos acomodando na cabine e nos conhecendo melhor, uma vez que o jovem falava inglês muito bem. O seu nome era Ri e o moço de mais idade era seu tio, que trabalhava em um restaurante coreano em Pequim e que estava voltando pra Coreia para rever a família. Fomos conversando, rindo e falando sobre várias coisas... Nossas vidas, nossos sonhos, nossas formações de vida, visões de mundo, problemas que sofremos no Brasil, nossa história... Podemos demonstrar àqueles dois camaradas nosso amor pela Coreia. O camarada Ri falava inglês, mas seu tio não, embora ele pudesse compreender o que falávamos. Que pessoas incríveis, como eu me apaixonei por eles! Dois camaradas coreanos comuns, longe de qualquer representante do governo ou de guias (para qualquer idiota que venha dizer que tudo era uma encenação para me surpreender). Ri era um patriota e quase chorava quando ia falar do seu país e de KIM IL SUNG e KIM JONG IL. Nos deu várias dicas, falou sobre como Pyongyang era limpa, com ar fresco e água boa. Criticou a China, sua poluição e turbulência e a todo momento dizia que a gente ia amar a Coreia, elogiando nossa determinação de estar ali, do outro lado do mundo, sendo tão jovem, para lutar pela causa do povo coreano.
A viagem é linda! Você vai cruzando cidades chinesas e vai se afastando da urbanização e entrando no campo... A travessia da fronteira entre a China e a Coreia é emocionante. Aqui, admito: quando o trem passou a ponte e o camarada Ri disse que estávamos na Coreia, senti uma sensação tão sublime que meu corpo traduziu em choro. Finalmente eu estava naquela terra sagrada na qual eu tanto depositei amor e carinho ao longo de anos e anos de minha juventude...
Campos belíssimos na Coreia vistos pela janela do trem |
Do nada, o trem para numa estação dentro da Coreia. O tempo, que estava nublado na China, torna-se ensolarado. Entram oficiais do Exército Popular da Coreia. Um oficial sênior entra na nossa cabine, olha para nós com um olhar simpático e logo fixa seu olhar em nós. O querido Ri, em coreano, explica quem somos e eu consigo entender, em coreano, que ele diz que somos do Brasil, o que provoca uma reação positiva no oficial do Exército. Ele resolve começar a inspeção por nós. Senta-se diante de nós e diz, em inglês: 'olá, essa é uma inspeção'. Nesse momento, que tensão prazerosa! Estou na Coreia do Norte, passando por uma inspeção, com um velho oficial do Exército olhando os meus papeis (que estavam todos em coreano e que só foram preenchidos graças a ajuda do amado Ri e de seu tio). Ele pede para olhar qualquer publicação que eu tenha na mala e mostro minha pasta de documentos. Ele começa a olhar página a página e topa com uma foto de Stalin com Mao Zedong. Pergunta, em coreano, para o camarada Ri, se são mesmo Stalin e Mao e olha para mim com olhar de camarada. Acha um papel escrito em coreano (um recibo escrito na embaixada da RPDC no Brasil explicando quem eu era). Depois de ler, ele olha para mim e simplesmente me libera sem inspecionar mais nada. Foi meio tenso, mas emocionante! Hahaha...
Todo centro de vilarejo camponês tem monumentos, murais, uma escola, um hospital, uma estação de trem, cinema/teatro e alguns prédios governamentais |
Para não me alongar, mais uma anedota da viagem: nas cabines do lado viajavam diplomatas cubanos! Por alguma razão, outro oficial do Exército arrumou alguma encrenca com eles. Me apresentei para ajudar e aí foi muito engraçado: o oficial falava comigo em coreano, o camarada Ri traduzia pro inglês, eu falava com os cubanos em espanhol e respondia de volta nesse caminho longo, kkkk... Quase 2 horas de confusão até que o oficial, que muito me observava enquanto eu falava, me saúda com uma continência e manda seguirmos viagem! O tio do Ri me deu um apelido depois: 'translator'. Como aquele coroa era engraçado! Falava umas frases aleatórias em inglês, o que sempre era engraçado, e era muito fofo e cuidadoso comigo e com Lenan, perguntando se tínhamos fome, se queríamos algo...
Falando em comida! Eu e Lenan pensamos que no trem seria servida comida ou teria um restaurante. Ledo engano! Só não passamos fome porque nossos camaradas Ri e seu tio tinham levado comida e compartilharam conosco! Que refeições maravilhosas! Uma comida deliciosa, divertida por causa da nossa luta para conseguir comer com pauzinhos, haha... Foi um dos melhores almoços de toda minha vida, com o trem já avançando a todo vapor dentro da nossa Coreia!
Muita 'pobreza' no interior do país. Essas são casas simples, porém lindas e aparentemente muito boas! |
Horas e horas dentro da Coreia. Muitas plantações, paisagens paradisíacas, algumas estações, alguns vilarejos de camponeses (humildes, mas bem arrumadas) e muita conversa boa... Um ar mágico!
Ao fim do dia 4, chegamos em Pyongyang. Na saída da estação, o camarada Ri, notavelmente, segurava o choro e dizia "acho que agora é hora de dar adeus". O danado nem tirou uma foto conosco! Como foi doloroso dar adeus a uma das pessoas mais legais que já vi e um verdadeiro anjo que muito nos ajudou, com comida, com preenchimento de papeis, com trâmites burocráticos de imigração e com conversas intermináveis!
Antiga ponte destruída pelos EUA na Guerra de 1950-1953 e que nunca mais foi reconstruída... Vale citar a água límpida e o ar fresco e agradável! |
Assim que nos despedimos deles, representantes do governo coreano vieram até nós e perguntaram se éramos do Brasil. Quando confirmamos, nos deram calorosas boas-vindas, tiraram fotografias nossas (posteriormente divulgadas na mídia estatal). Nos foi apresentada a nossa guia, a simpática e jovem Kim Chon, de 25 anos, que se comunicava conosco em espanhol. Depois, nos levaram para o melhor hotel de toda a Coreia, o Koryo Hotel de Pyongyang, 5 estrelas. No caminho até o ônibus que nos levaria até o hotel, um reencontro que eu ansiava há anos: avisto, na estação, o camarada Kang Chol Min, antigo funcionário da embaixada da RPDC em Brasília, falante de um português perfeito e um caro amigo! Nos abraçamos e nos alegramos de estar nos vendo no coração da Coreia. Ele me disse, com muita alegria: "você conseguiu, você está em Pyongyang!". Momento único!
A estação de trem de Pyongyang! Música tocando ao fundo, várias delegações chegando |
Meu Deus, eu estava pisando na Coreia Popular! Da janela do ônibus até o hotel, além de responder às simpáticas perguntas de apresentação da nossa guia, eu via Pyongyang diante dos meus olhos. Meu coração estava na boca e minha alma, em paz!
E essa foi a minha fantástica chegada na Coreia do Juche!
* Lucas Rubio - Presidente do Centro de Estudos da Política Songun-Brasil, coordenador do Núcleo de Política Internacional da TRIBUNA DA IMPRENSA Sindical.