JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Meu grande amigo e circunstancialmente chefe, senador Roberto Requião, manifesta sérios escrúpulos à hipótese de ter de se aliar, na luta pela reconstituição do Estado Nação brasileiro, com pessoas, empresários ou políticos, que tem alguma mancha, pequena ou expressiva, na biografia moral ou política. Entretanto, o mesmo Requião, citando Gramsci, me ensinou que não existe o canalha absoluto; o canalha absoluto é uma figura da literatura, não da vida, diz ele citando Gramsci. Alguém que pensamos ser canalha sempre tem um lado bom.
A Nação está polarizada entre lulistas e não lulistas. São forças aparentemente inconciliáveis. Contudo, sustento que não há saída para o Brasil exceto num contexto de reconciliação dessas forças no campo real. Reconheço que, no plano ideológico, isso é difícil. Entretanto, o que é ideologia? Na expressão de Marx, é a forma como a sociedade se vê pela ótica da classe dominante. Ora, a classe dominante domina porque divide. Se, pelo efeito do afloramento da consciência de classe, a classe dominada se reconhece como tal, tudo muda.
Se a classe dominante, usando todos os seus meios - dinheiro, poder militar e meios de comunicação -, pudesse dominar sempre o país, não haveria História. Isso me vem à mente quando alguns camaradas fala do poder político absoluto da Globo no Brasil. Não conhecem o geral, nem o específico. O sistema Globo, por exemplo, não influencia eleições. Influencia, sim, o eleito. Ele acha que tem tanto poder que não precisa de investir em candidaturas. Seria trabalhoso, suspeito e arriscado. Espera alguém ganhar para comprar. Fez isso com Dirceu.
Fez com Collor também. Trabalhei na Globo no tempo da eleição do Collor e acompanhei diariamente, de uma posição privilegiada – era uma espécie de conselheiro de Roberto Marinho através de um conselheiro mais antigo, Jorge Serpa -, as eleições de 89. Sugeri pessoalmente a Roberto Marinho que apoiasse Mário Covas, e ele apoiou, desde que isso não beneficiasse Brizola, este sim o inimigo. Como a esquerda do PSDB não quis o apoio da Globo, Alberico de Souza Cruz, chefe da reportagem, por conta própria apoiou Collor.
Rememoro tudo isso para voltar ao ponto inicial: em 1988 eu era uma espécie de teórico do Pacto Social, obstinado a trazer para esse tema o presidente da CNI, do qual era assessor, Albano Franco, e Antônio Medeiros e Rogério Magri, sindicalistas em ascensão, depois fundadores da Força Sindical, além da própria Globo. O Pacto não se viabilizou pela resistência de Antônio Ermírio de Moraes, talvez sob influência de José Pastore, recentemente o principal assessor empresarial na imposição comprada da reforma trabalhista no Congresso.
Isso é passado, e só volta à tona pelo que disse no começo desse artigo, a necessidade imperiosa de um Pacto Nacional. Embora necessário, não é mais suficiente um Pacto Social, do tipo feito pelos trabalhadores e patrões na Europa nos anos de ouro do capitalismo, desde o pós-guerra ao fim dos anos 70, quando entrou em jogo a praga neoliberal. No nosso caso, o Pacto Nacional precede o Pacto Social porque o Governo Temer está vendendo de forma acelerada as próprias entranhas do país, inclusive o pré-sal, ainda sem resistência efetiva.
Se precisássemos “apenas” de um Pacto Social nesse momento seria suficiente a liderança de um político mais conciliador, tipo Luís Inácio Lula da Silva. Ele já provou saber fazer isso, atendendo aos interesses objetivos de pobres e ricos. Agora a situação é diversa. Há forças externas poderosas, manipulando um pequeno grupo de nacionais vendilhões da pátria, se apropriando dos recursos naturais, inclusive pré-sal, e da própria alma brasileira. Com esses não pode haver acordo. O Pacto Nacional não é xenófobo. Mas é contra o entreguismo.
Não vejo outro político brasileiro com maior capacidade e credibilidade para conduzir um grande Pacto Nacional de resgate do Estado-Nação do que Requião. A única coisa que se requer dele é generosidade em relação a muitos que falharam em seus deveres políticos e éticos – por exemplo, os que votaram contra Dilma no processo de impeachment, e os que defenderam políticas econômicas ambíguas, como a do banco central independente, no governo Temer. O destino do Brasil está à frente de tudo isso. Ele saberá escolher.