JOSÉ CARLOS DE ASSIS -
Os contemporâneos não conseguem reconhecer uma revolução no tempo em que ela acontece. Essa frase, creio que do grande historiador inglês Hobsbawn, se aplica perfeitamente ao que acontece atualmente no mundo e no Brasil. A guerra comercial iniciada por Donald Trump contra antigos aliados e contra a China assinala o começo do fim do império norte-americano. A guerra do governo Temer contra os caminhoneiros assinala o fim do seu governo e do próprio neoliberalismo no Brasil e no mundo.
O nacionalismo econômico de Trump, ao contrário do nacionalismo inteligente de Jalmar Schacht, o mago das finanças de Hitler, põe em risco a sua principal meta, ou seja, a criação de empregos dentro dos Estados Unidos. De fato, a única função relevante do comércio externo norte-americano é a criação de empregos. Como emissores gratuitos da moeda do mundo, o país não precisa de fazer superávits comerciais para se financiar no exterior. Basta emitir, pois desde 1971 o ouro não serve como lastro sequer indireto do dólar.
A China está numa situação oposta. Recuando ao século XVII, ela apelou para uma política mercantilista de acumulação de reservas em moedas fortes, notadamente do dólar, gerando simultaneamente milhões de empregos internos com seus superávits comerciais. Claro, ela pretendia adquirir bens e tecnologias no exterior, e não podia fazer isso emitindo a sua própria moeda. Entretanto, ela acumulou tantos dólares – cerca de 4 trilhões – que já não tem o que fazer com eles. A não ser, claro, escalar nas importações. Quem tem como pagar domina o comércio, e ela tem.
A guerra econômica “nacionalista” de Trump acontece justamente num momento em que, por sua posição em reservas, a China é invulnerável às ações e retaliações comerciais dos Estados Unidos. Maior detentora mundial de reservas, ela só poderia ser atingida em sua capacidade de importação caso o dólar venha a colapsar inteiramente. Mas isso será o fim do capitalismo. De qualquer modo, se vier a acontecer, sobreviverão os que, como a China, a Rússia e grande parte da Ásia, se apoiam na economia real, não na monetária.
No Brasil, durante os governos do PT – e ao contrário do governo Dutra no pós-guerra, quando desperdiçamos reservas com quinquilharias importadas – acumulamos um considerável montante de reservas de cerca de 400 bilhões de dólares, infelizmente gerando empregos apenas no agronegócio e nos demais produtos primários, principalmente minério de ferro, com parca repercussão na indústria. Não foi uma política voluntarista, como na China. Foi pela sorte de Lula. De qualquer modo, esse colchão de reservas, se viermos a nos re-industrializar, nos permitirá ter lastro para isso.
A revolução mundial está se tornando visível, portanto, mesmo para contemporâneos como nós. O que não parece muito visível para cientistas políticos e geopolíticos brasileiros é a revolução dos caminhoneiros. Eles estão se preparando para furar o balão do neoliberalismo. A política de preços de combustíveis da Petrobrás, supostamente vinculada a preços internacionais, é tão estúpida que conseguiu, num mesmo movimento, atingir o setor de transportes inteiro, o setor público e os Estados da federação, além do agronegócio.
A estupidez começou com a concessão de um subsídio temporário ao diesel – 46 centavos de real –, não aos demais combustíveis, em lugar de um simples corte nos preços mediante uma regulamentação deles em termos clássicos. Preferiram o remendo e manter a política neoliberal de preços a fim de acalmar os ânimos dos caminhoneiros no curtíssimo prazo, sabendo que o problema reapareceria na frente, mesmo porque continua a vinculação dos preços dos combustíveis administrados pela Petrobrás aos preços internacionais.
Para financiar o subsídio de 46 centavos, o governo impôs um corte equivalente nos orçamentos do setor público, principalmente nos itens mais expressivos de educação, saúde e segurança. Isso, obviamente, enfureceu o setor público. Não satisfeito, exigiu que os Estados participassem do financiamento do subsídio, cortando 5 centavos no ICMS. Isso enfureceu os Estados, que já estão financeiramente quebrados e atribuem isso, com justiça, aos ataques da União ao sistema federativo pela concentração tributária e financeira.
Se não bastasse isso para alimentar uma revolução, o governo, mais uma vez protegendo as multinacionais do petróleo, criou uma tabela de preços mínimos para o frete, atendendo os caminhoneiros e atingindo diretamente os interesses do agro, que entrou no Supremo com uma ação de inconstitucionalidade. É evidente que o Supremo atenderá as reivindicações porque o tabelamento dos preços de frete é inconstitucional, e ele não exercerá hermenêutica a favor de caminhoneiros. Eis, pois, como começa a revolução brasileira. Como disse Lênin, pelo elo supostamente mais fraco da cadeia!